domingo, 23 de maio de 2010

manifesto

Fotografia de José Figueira

nesse dia atravessei o inferno
com as mãos orvalhadas.
adivinhei lamúrias
receei perguntas
fuji das respostas.

oh, boca, voz
bailado sem corpo
na respiração amarela do medo
onde estás?

ambos conhecíamos a origem do sangue
(mel e jasmim, lembras-te?)
mas os deuses do silêncio
adormeceram em olimpos de sal como figuras
com favos nos lábios
e pétalas nos dedos.

por isso
deixei de acreditar nas bíblias dos homens
e o corão é os olhares escondidos em espelhos.

são homens a roer bagos de uva
são homens a calcar páginas brancas
são homens a roubar o círculo de fogo
são homens a procurar o pecado que engrandece
(reparaste como tudo se transforma
nas roldanas do silêncio?).

é preciso matar as palavras
afogá-las no seu veneno
fuzilá-las com a sua pólvora
apunhalá-las no seu cristal
apagá-las no seu rasto
riscá-las do poema
adormecê-las na sua insónia
trucidá-las no seu cinismo.

é preciso desinventar as palavras
para sabermos quando é a hora de morrer.

38 comentários:

  1. são homens a roer bagos de uva
    são homens a calcar páginas brancas
    são homens a roubar o círculo de fogo
    são homens a procurar o pecado que engrandece
    (reparaste como tudo se transforma
    nas roldanas do silêncio?).

    *--*
    Muito bom seus escritoos ! :)
    bj

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  2. Olá, sara!
    agradeço-te a visita e o teres-te ligado a mim e a todos os sentem este espaço como seu. sabe que serás sempre bem-vinda!
    um beijinho!

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  3. Nossa, muito obrigada... De verdade , amei seu comentário !
    São pessoas singulares como você , que estava precisando ter nesse espaço ! ... Desse modo, fica evidente, vale a pena ter um blog !

    adorei *--*

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  4. Muito bom, faz a gente refletir em cada estrofe.

    Abs

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  5. gilson e sara, é um privilégio ter-vos cá, nesta viagem de destino incerto, sobre as águas da poesia.
    um abraço a ambos!

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  6. Admirável poesia, Jorge, rica em imagens poéticas.

    abrs!

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  7. ana, um agradecimento sentido. admirável, crê-me, é a tua/vossa presença aqui, dando sentido à escrita com e sem palavras.
    um beijo!

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  8. "é preciso desinventar as palavras
    para sabermos quando é a hora de morrer"

    e abrir os braços e não oferecer resistência...só assim se renasce

    suspendeu-me o fôlego a leitura deste teu poema, jorge...e ao findar tive que ordenar-me: respira, respira!

    belo, belo, belo! com a beleza de uma etérea mão a adentrar-nos o corpo até virar nossa alma pelo avesso

    beijos mil, amado poeta!

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  9. Deixei de crer na bíblia faz tempo...

    Embora, seria mais confortador.

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  10. andrea, o teu lema é "à poesia se responde... com poesia".
    se há palavras que não podem, por imperativo não sintáctico, mas humanista, ser desinventadas são as tuas, querida amiga. nunca! jamais! (eis o meu segundo manifesto, num intervalo de brevíssimos minutos).
    um beijinho, poeta amiga!

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  11. também a deixei cair nos lugares vazios que se vão abrindo (ou permanecendo por fechar) dentro de mim... mas tenho mesmo de concordar contigo: tudo é mais fácil quando o olhar pousa nas suas páginas ali acoitando a esperança. eu sei-o; eu fui-o.
    um beijo, vanessa!

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  12. A Procura nunca devia ser um cavalo de batalha, mas a nossa vontade sim... cavalo de batalha, quer dizer, animal que conhece a guerra e galopa em meio à guerra e o medo até chega a fugir dele...

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  13. um cavalo de batalha que cavalga no meio da guerra afugentando o próprio medo... palavras para quê? bravo, nãosoueuéaoutra! remeto-me ao silêncio da contemplação!
    um beijo!

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  14. Jorge, conheci-o através da Zélia, nossa amiga em comum, e acabei por vir aqui conhecer o seu cantinho.

    Amei o seu poema!...

    Com mais tempo, voltarei à procura de mais pérolas iguais a essa.

    Um abraço bem brasileiro

    Cid@

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  15. olá, cida!
    agradeço-lhe a visita e as palavras-estímulo que deixou pousadas no covés do viagens de luz e sombra.
    queria que soubesse que amigo da zélia é meu amigo também! conheço poucas pessoas com a doçura e a delicadeza que ela asperge em todos os seus gestos.
    um beijinho!

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  16. Travessias do inferno me remetem a Rimbaud, a aquele périplo de Dante Alighieri. E tu investes contra a linguagem e voas no universo da desconstrução, como se buscasses o vento que sopra as velas no abismo do próprio peito. Saga de muitos significados. Abração

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  17. Admiro muito como você consegue trabalhar os versos...seu leque de possibilidades nõa só estéticas como também gramáticais...

    E Tudo isso sem perder a sensibilidade da poesia...a musicalidade da poesia...a imagem da poesia...

    abraço meu caro!

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  18. há um orfeu dentro de cada um de nós, amigo assis. a sua demanda só ele a conhecerá, mas se ousa descer a hades por ela é porque acredita valer a pena. a desconstrução da linguagem é inversamente proporcional ao agigantamento da odisseia individual.
    um abraço!

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  19. ironia das ironias, juan: a tentativa de esventrar as palavras que apodrecem nos desertos da boca com... palavras. valha-nos a sensibilidade da poesia.
    um abraço!
    sempre atento às tuas intervenções que muito me tocam ou fazem reflectir; obrigado!

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  20. "...é preciso matar as palavras
    afogá-las no seu veneno
    fuzilá-las com a sua pólvora
    apunhalá-las no seu cristal
    apagá-las no seu rasto
    riscá-las do poema
    adormecê-las na sua insónia
    trucidá-las no seu cinismo."

    concordo plenamente! faço minhas as tuas palavras... talvez renascessem puras de vida!
    Beijinho!

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  21. Jorge, pousar aqui me causa tamanha satisfação e dor no sair, pois o relógio corre e me tira do saboroso. É tanta musicalidade em teu manifesto, que sou remetida por uma renuncia: 'no desinventar as palavras para saber quando é a hora de morrer', afinal, morrer nos eleva em sangue e leitura incomum. Sua captura e articulação, faz-me pisar em cautela e detalhes, para que o feroz e monstruoso em mim não entre em cena. Pura delícia o que absorvo, pois é tanta resposta e pergunta que exala teu recanto.

    Abraços ave rara!

    Priscila Cáliga

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  22. andy, quando as palavras não bastam ou sobram, não basta cortar as mãos e coser a boca; temos de construir diques no coração e deixar secar as veias...
    um abraço!

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  23. como te entendo, priscila... quando não conseguimos desinventar as palavras, resta-nos pisar os seus contornos com cautela, não vão elas despertar o animal que não aprende a morrer dentro de nós...
    um beijinho!

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  24. Uau!
    Adorei !

    estou seguindo-te. ok?

    Se puder dá uma passada no meu blog.

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  25. Desinventar é treinar o olhar para múltiplas mortes e múltiplos renascimentos.

    Beijos, meu caro!

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  26. É preciso desinventar a nós mesmos, para sabermos quando é hora de viver. Porque de morrer, a cada dia, sabemos um pouco mais.

    Lindo poema, Jorge.

    Obrigada pelo carinho de sempre. Ainda estou sem o computador, mas qualquer tempinho a mais, mergulho por aqui.

    Uma beijoca, querido

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  27. Jorge, no último album dos Mão Morta vais encontrar o seguinte: "mais vale morrer do que não nascer nem morrer".
    Acho que está dito!
    Mas não te preocupes, há sempre o renascer!
    Beijo
    Laura

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  28. E depois ficamos só com os silêncios....
    Gosto sempre do que escreves...
    Beijo Jorge

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  29. viva, steven!
    obrigado pela visita e pela simpatia das palavras. Passo no teu blogue com imenso gosto.
    um abraço!

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  30. também vejo as coisas assim, lou. renovar, renascer, reaprender, re... o pior de tudo é quando a capacidade não acompanha a vontade...
    um beijinho!

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  31. é bem verdade, querida sylvia, morremos um pouco a cada dia que passa. nem sempre sabemos é fazê-lo...
    um beijinho! fico mesmo contente por te ver por aqui.

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  32. pois, os mão morta, que durante anos não foram levados a sério, são, na verdade, uma banda com um substrato inquestionável, hoje. obrigado por me recordares que há vida para além das palavras (ainda que precisemos das palavras para o dizer e saber).
    um beijinho!

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  33. magnólia, obrigado pelo teu carinho sempre presente. deixo-te um beijo... em silêncio!

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  34. Jorge, meu querido
    Quem sabe, desinventar as palavras gastas, puídas, viciosas que temos e inventar outras que fossem novinhas, em folha...
    Perdoe-me, amigo, se saio do território do seu lindíssimo poema e invado um obscuro canto onde minha vida se desenrola e faço um desabafo muito particular: uma grande amiga minha vive um momento dificílimo e eu, ainda que deseje ardentemente consolá-la, não o consigo, quando tento fazê-lo com as minhas amarfanhadas palavras ...
    Perdoe-me querido... Contigo tenho esta liberdade...
    Mas, viremos a página: Outro dia, num outro lindo poema, você já estava magoado com as palavras; já tinha suas queixas... Hoje, mostrando o desgosto aumentado, nos presenteia com esta obra-prima. Monumental poema!!!
    Ah, Jorge, que seria ter uma avalanche de palavras inéditas à disposição dos versos...
    Beijo, amigo!

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  35. sabes, amiga zélia, tenho uma relação de amor-ódio com as palavras. há momentos em que lhes grito no tom em que sinto que elas o fazem comigo; nesse então, vejo-as como meros intermediários, usurpadores do coração e do sonho, traidores de ideias e sensações, filtros imperfeitos. No entanto, no auge do arrufo, sinto-as a sorrir, timidamente, como se fossem crianças pedindo desculpa pela mais inocente traquinice; quando mantêm a birra, sou eu que, sentindo falta da vertigem, corro para os seus braços, lambuzando-as de beijos e afagos.
    é então que nova crise de ciúmes emerge: o silêncio baixa os olhos, tomba a cabeça e, cabisbaixo, retira-se, ofendido pela minha indiferença...
    e balanço, de novo, entre dois amores...

    um beijinho grande e sentido de alguém que sente a singularidade da pessoa que és!

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  36. passo um dia sem vir aqui e fico me penitenciando pelo tanto que perco.

    felizmente, sei que os amigos perdoam.
    sim, jorgíssimo... pelas ausências, minha penitências...rs

    abraço você!

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  37. (Só agora me dou conta do tempo que não vinha aqui, beber dessas palavras.)

    Coisas de desconstruir, desaprender, para reaprender a reconstruir. Há algo que lembrou-me Eros e Tânatos, mas, sobretudo a Fênix.

    Grande abraço e muita admiração.




    P.S.
    Depois, se puderes, me diz qual o link do fotógrafo - José Figueira, tá bem?

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  38. mai, as palavras que aqui repousam tornam-se maiores quando tocadas pelas tuas, sempre tão oportunas e invocativas de trilhos mil... leio-as e releio-as no balanço das pernas galgando os horizontes para que apontas.
    um beijinho!

    Aqui vai o endereço do blogue do josé figueira: http://photoscriptos.blogspot.com/

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