Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr através desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que avança para deter-me…
José Luís Peixoto, Cemitério de Pianos
fotografia de jorge pimenta
são eles, os objetos, e talvez a sua alma
quem o persegue
em todas as madrugadas.
às escuras,
mordem-lhe os dedos
com cerejas e pão
e cospem a terra
com que alimenta cada escalada e precipício.
são eles, os objetos, e talvez a sua alma
quem sobe as escadas,
com fome de cães.
passo sobre passo,
atiram sílabas imundas ao chão
enquanto o olhar verga
sobre as vértebras
de sonhos e sonos sem corpo.
detêm-se à cabeceira da cama
a devorar o tempo de cada fotografia,
roída,
a acariciar gavetas,
por entre alfazema e roupa interior mal dobrada.
do lado de dentro,
o animal louco
sonha com árvores estreitas
de pétalas nas raízes
para cada uma das suas máscaras iluminadas.
do lado de fora
são eles, os objetos, e toda a sua alma
a arrotar em cada gomo arrancado
à romã da sua boca.
mais tarde – tarde de mais:
já nem o nome lhe cabe no beijo.
laura veirs, wrecking