domingo, 9 de maio de 2010

futebol sem bola

ilustração de Ana Margarida (10 anos)

É geralmente aceite de modo pacífico que o desporto, em geral, e o futebol, em particular, roce a esfera do irracional. Por mais ponderados que sejam, os adeptos tendem a olhar para as suas cores como sendo o centro do universo, o deus gerador de todas as energias que giram e fazem girar. É, por isso, natural e até frequente que as discussões futebolísticas inflamem paixões e exacerbem ânimos.
Pois, este fim-de-semana, o Benfica acaba de se sagrar campeão nacional pela 32ª vez. Foi a equipa que mais pontos somou (76 contra 71 do Braga), a que mais golos marcou, a que menos sofreu, a que teve o melhor goleador e a que mais empolgou os aficionados do futebol naquilo que o seu treinador, Jorge Jesus, considera “a nota artística”.
Tudo normal, diríamos… Mas o certo é que assim não é.
Em primeira análise, estranho que umas dezenas de adeptos do clube da minha cidade, tradicionalmente hospitaleira e cordata, à boa maneira de uma arruaça inqualificável, tenha tomado de assalto a Arcada não para festejar, mas para impedir os adeptos benfiquistas (que são milhares na capital do Minho) de festejar… socos, pedradas, impropérios e muito ódio acabou sendo estancado, apenas, pela intervenção da polícia de choque que teve, inclusive, de disparar projécteis de borracha tendo em vista a dissolução da massa em fúria.
Todavia, e numa leitura mais atenta, até sou capaz de perceber o porquê de todo este alvoroço… um treinador que, no final do jogo que tinha obrigatoriamente de ganhar (e que empatou) para, esperando pelo resultado do principal rival neste campeonato, poder saber se festejaria ou não, veio às câmaras de televisão falar de injustiça e manigâncias, num discurso incendiário, pejado de falta de fair-play e, sobretudo instigador, vivamente, das tristes cenas que todos testemunhámos; um Presidente de câmara que se comporta como presidente de clube, numa promiscuidade que favorece braguistas e lesa bracarenses; uma massa adepta que forma claques com cânticos racistas e sectaristas, onde o ódio é a arma de arremesso que a direcção do clube aproveita para fazer vingar propósitos; nenhuma destas situações pode colher a minha simpatia.
Hoje, sinto-me envergonhado… como bracarense, como adepto do futebol e como cidadão… esta não é a minha cidade… estes não são os meus concidadãos… há que saber ganhar, mas, sobretudo, que saber perder.

17 comentários:

  1. Olá Jorge!

    Espero que não te aborreça o meu português do Brasil... e também que não se ofenda com o meu ar de quem fala de cátedra sobre o assunto. rs rs! Como se mulher entendesse de futebol...

    Aqui no Brasil os imóveis que cercam os estádios de futebol são menos valorizados porque depois dos grandes jogos clássicos, sempre há confusão nas saídas das torcidas. Não raro torcedores são espancados até a morte. A polícia, como se já não tivesse muito a resolver, é chamada até para fazer a segurança do ônibus dos jogadores.

    Bom, se você está envergonhado porque isso aconteceu na sua cidade, imagine o Rio de Janeiro ou São Paulo onde isso acontece com muita frequência.

    É uma pena, esporte não combina com essa violência absurda.

    Um beijo!

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  2. Pois, não há muito a dizer para além disto..eu que simpatizava com o Braga e elogiava pelo seu feito históico neste campeonato! Coisas absurdas do futebol...

    Parabéns pela ilustração. E que tal uma agora daquele jogador cujo nome termina com "z"?! :) :)

    Beijinhos

    P.S. SLB SLB SLB Glorioso SLB Glorioso SLB!!!!

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  3. Olá, Mulher na Polícia!
    Entendo tudo o que me dizes e sei bem que a realidade brasileira não é comparável à portuguesa. Como habitualmente se diz, somos um povo de brandos costumes e, mesmo sabendo que a criminalidade vem galgando os portões do tolerável neste cantinho extremo da Europa, ainda assim, estamos a anos-luz de outros países nesse considerando.
    Mas, uma coisa é a criminalidade organizada radicando na instabilidade social; outra é a violência gratuita, estribada na diferença de opiniões, credos ou simpatia clubística. Essa jamais entenderei...
    Um abraço!

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  4. Verdade, Marta, coisas absurdas do futebol... ainda assim, não quero confundir actos de energúmenos com o coração de uma cidade... a minha cidade.
    O jogador que se escreve com "z"?... Hum... David é com "z"? (hehehe)
    Um beijinho!

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  5. Adoro Benfica :) mas prefiro o Desporto. rs
    Braga estás lindo como sempre?

    beijos querido !

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  6. Temos uma paixão em comum pelo futebol, caro Jorge. E temos também em comum uma ojeriza profunda a estes tumultos que se formam por causa do esporte. Seria normal torcer e festejar pela vitória ou se lamentar a derrota, mas a violência se instaura em qualquer situação e de modo futil. Vamos torcer pela paz, apenas. Abraço

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  7. Estamos inteiramente de acordo, caro Assis. O futebol é luz, cor, bailado, sons, formas, emoções... tudo o mais é distorção.
    Um abraço!

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  8. Braga é lindo, Sarah! Jamais confundirei a bela e pacata Bracara com os auto-denominados "guerreiros" do Minho que, como vândalos, espalharam a vergonha e a infâmia pelas artérias da cidade. Enfim...
    Um beijinho!

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  9. Jorge fiz a inserção de Camões no poema, era realmente uma ausência sentimental demais para mim e para a língua portuguesa. Obrigado e um grande abraço.

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  10. Assis, fiz a observação em jeito de brincadeira. A sensibilidade não é um valor universal. Camões é imenso, mas a poesia não é a reprodução da realidade, mas da sensibilidade de quem o escreve. E a tua é infinita.
    Um abraço, Poeta Amigo!

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  11. "...Corremos constantente o risco de sermos parasitados, possuídos, enfeitiçados pelas nossas idéias anjos ou demônios. Elas têm necessidade de nós para existir, viver...As nossas vidas têm necessidade delas..."

    (Edgar Morin, O método)

    Belo post

    abraço

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  12. juan, os teus comentários são sempre inspirados e fonte de inspiração. obrigado pelas tuas palavras.
    um abraço!

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  13. Amigo Jorge

    Se para nós, que vivemos neste país que dizem em desenvolvimento [mas que considero subdesenvolvido , por não acreditar em desenvolvimento sem educação e saúde públicas, dois bens que não possuímos ],já é difícil conviver com a violência , imagino o seu desgosto.

    O fanatismo, seja ele de que ordem for, é sempre um perigo e o número dos fanáticos tem aumentado . Violência tem sido praticada por isso. Quando se trata de futebol, não sei por qual motivo , as coisas se complicam . Os torcedores se inflamam dentro dos estádios e, terminados os jogos, saem como que acometidos de loucura, promovendo o vandalismo que se tem visto.

    Na política não tem sido diferente. Reuniões de trabalho de deputados, senadores, etc. têm terminado, algumas vezes, em agressões físicas. É muito triste!

    Um abraço, amigo.

    PS- Muito feliz fiquei com sua visita!
    Outro abraço.

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  14. jorge, jorgíssimo...
    viajei mais de 3 mil quilometros para a final da libertadores entre cruzeiro e estudiantes, la em bh, julho de 2009.
    jogo em casa, ramirez com a 8, kleber com 9... tudo parecia um script desenhado para o meu sorrir e festejar...

    mas deu estudiantes: 2 x 1.

    no dia seguinte, liguei pra sorin no intuito agradecer pelos ingressos do jogo (ele estava concentrado para a partida e não nos falamos)...
    sentiu-me triste, eu ja de partida anunciada para são paulo na tarde que chegava e, dele escutei...

    ele que jogava com o coração no bico da chuteira, em seu portuñol:
    "o futebol não vale as nossas penas. hay que seguir comn a vida".

    desdoeu em mim...

    viajei tranquilo. ainda apaixonado por uma bola de futebol, mas menos desiludido... afinal, quem nào sabe ganhar num jogo, não merece vencê-lo.

    e viva o benfica. e viva ramires, luizão e cia... mas, principalmente, viva você que, sei em meu coração, merece vencer.

    abraço e amizade deste que te sabe.

    R.

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  15. zélia, a crise de valores que as sociedades actuais vivem conduzem a um esvaziamento do indivíduo face a todos os ícones de superficialismo e imediatismo. isso sucede no brasil, em portugal e um pouco por todo o mundo, independentemente do grau de incidência sobre cada um, verdade? resta-nos não nos resignarmos.
    um abraço e obrigado pelo comentário sempre tão lúcido!

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  16. imagino a odisseia, roberto... a fé na mão e o acampamento às costas para uma decepção sem par... e as palavras sensatas de sorin (quem joga futebol a um nível profissional tem sempre uma visão mais distante destas "pequenezes" que nos atrofiam o coração) desdoeram, bem o sei, mas... se o cruzeiro voltar à final, todo o processo se reacende dentro de ti, verdade? é esta a paixão pela bola, pelas cores, pelo desporto. eu fá-lo-ia também!
    p.s. na próxima vez que benfica ou cruzeiro chegarem a uma final europeia ou sul-americana, viajamos um com o outro para assistir ao desafio in loco. aqui fica o repto :).
    um abraço, robertílimo!

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  17. Palavras lucidas e sensatas ...Essa cidade linda e tranquila não merecia... mas isso hoje pode acontecer em todo o lado...infelizmente
    Bj

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