sábado, 26 de março de 2011

ins(piração)

                                                         e. munch, o grito

a tarde começou a chover
no mecanismo arcaico
da minha meteorologia.

sento-me com o livro nas mãos
à espera de que o mar ferva
na ejaculação das flores.

assim se faz a história:
falecem os homens
renascem as árvores.

que se inspire na sua seiva
todo o rubor das nossas palavras.

a tarde começou a chover
no metaforismo prosaico
da minha meteorologia.

sento-me com o lenço nas mãos
à espera de que o meio ferva
na elucidação das flores

assim se faz a memória:
enlouquecem os homens
esclarecem as árvores.

que se inspire na sua selva
todo o rumor das nossas palavras.

(cris de souza & jorge pimenta)


vivaldi, winter I

sexta-feira, 25 de março de 2011

Concurso do Público para Jornais Escolares distingue O Despertar, publicação da Escola EB 2/3 de Viatodos


Decorreu, no passado dia 23 de Março, pelas 15h, no Salão Medieval da Universidade do Minho, a cerimónia de atribuição de prémios de jornais escolares – 2010, promovida pelo Jornal Público.

Presidida pelo Dr. Eduardo Jorge Madureira, Director do Boletim Público na Escola e promotor do concurso mencionado, e contando com a presença de ilustres convidados, quer da parte do Ministério da Educação, quer da parte da Universidade do Minho, instituição anfitriã, quer ainda de outras entidades e de patrocinadores, a cerimónia chamou ao local as equipas que, nas escolas, dirigem e colaboram com as publicações escolares galardoadas. Após a abertura da sessão, e escutadas com atenção as palavras proferidas pelas personalidades convidadas, os jornalistas escolares foram, à vez, sendo chamados ao púlpito para receberem as honrarias consoante o escalão em que competiam e a classificação obtida.

A Escola EB 2/3 de Viatodos, integrada no primeiro escalão do concurso, e distinguida com o 3º Prémio, viria a ser das últimas a ser chamada. Enquanto isso, a espera e a ansiedade foram sendo mitigadas com palavras sussurradas e sorrisos esquivos que os lábios teimavam em não suster. Por fim, já perto das 17h, soou na instalação sonora do salão o tão ansiado nome: Escola EB 2/3 de Viatodos! Já de pé, a equipa d’O Despertar aprestava-se para percorrer a interminável galeria central, diante dos olhares e sob os aplausos das três centenas de pessoas presentes na cerimónia.

A sensação vivida naquele instante foi verdadeiramente arrepiante. Sabia-se que a distinção não prestigiava apenas O Despertar, mas todo o Agrupamento, toda a Comunidade Educativa – de que fazem parte professores, alunos e demais colaboradores –, o Director, Professor Fernando Martins, que tem viabilizado e acarinhado o projecto ao longo de mais de 25 anos, e, mais genericamente, o Concelho de Barcelos.

No final, os prémios atribuídos reverberavam, ainda, nas mãos d’O Despertar. Um elemento invocativo e decorativo exclusivo, bem como um vale de 625€ em livros, enchiam, não sem alguma vaidade, as algibeiras da equipa. Ainda assim, e apesar do brilho que a todos coloria o olhar naquele preciso instante, a equipa tinha a noção de que o verdadeiro prémio havia sido já atribuído alguns meses antes: a possibilidade de crescer e de ajudar a crescer jovens que fazem da notícia e da sua publicitação por escrito uma etapa complementar do seu processo formativo, assim se tornando, cada vez mais, melhores escreventes, leitores mais competentes, estudantes mais sólidos e cidadãos mais interventivos e responsáveis.






domingo, 20 de março de 2011

flashes de vida e morte sobre cidades transparentes


                                                               caminha, foz do rio minho

não estragues a cumplicidade
dos deuses com os lírios pacientes.
a terra remexe, o céu uiva e a dor espalha-se
naquele doente que exaspera
em silêncio branco de batas do hospital,
mas todos os homens
na sua loucura
aguardam pelas árvores de pé
como se as florestas fossem livros
de lombada fina
que nos lêem nas horas amargas
e nos ensinam as letras douradas.

não estragues a cumplicidade
dos deuses com os lírios imprudentes.
a morte é o suspiro que atiça o vento,
agita copas e arrefece desejos
como aqueles moribundos
que se rasgam em pedaços
e se esquecem dos rostos
na travessia dos invernos.

não estragues a cumplicidade
dos deuses com os lírios cadentes.
apaga as linhas das mãos
aponta os faróis ao sol
e deixa chover no coração.
eu continuo a passar todos os dias à tua porta
e nunca te vejo,
talvez na tua vida lenta
o lacre já tenha estancado a fechadura
do meu corpo.

e os deuses ainda mastigam as folhas de lírio.
e os lírios já não sabem dos homens.
e os homens fermentam a decepção.

é noite.
a cidade está transparente.
já podemos dormir.

joker’s daughter, lucid

segunda-feira, 14 de março de 2011

etiquetas XII [urbi et orbi]

I. florença
torre, muro, palácio, pedra,
o silêncio atravessa os telhados vermelhos.
apenas as mãos agitam fábulas antigas
reacendendo a fogueira da transparência,
bem ali, onde os livros adormecem de pé
e ressuscitam na gravidade da alvorada.



II. rio arno
da energia breve
ao relâmpago do sol:
as águas rasgam a escrita azul
sobre o espelho da tua mão.
entre o olhar e as pontes
há correntes que se erguem
no encalço do poema líquido.



III. torres [asinelli e garisenda]
deslizam leves
as colunas de pedra
entre as flores da terra
e os olhos do céu:
metade homem, metade desejo.
como alcançar a síntese entre os dedos
de mãos tão diferentes?



IV. ravena
rostos de pele colorida
atiçam-nos ladrilhos escavados
pelos pincéis do tempo.
o sorriso é branco
e o olhar esqueceu de que lado nasce o sol.
afinal, todas as vidas definham
sob os monólogos do tempo.




kings of convenience, parr-a-pluie

sexta-feira, 11 de março de 2011

o fim da rua

queridos amigos,
hoje estou entre marés, bem n'o fim da rua, pela mão da suzana martins.
para aceder: http://minhasmares.blogspot.com/
um abraço a todos!


quarta-feira, 9 de março de 2011

nu café

                                         jorge molder

o jornal não espera.
entre as minhas mãos e as pequenas letras
cabe um mundo que desaba a cada instante.
e todavia
o café é o mesmo de sempre:
as mesas têm o mesmo cheiro
as pessoas usam as mesmas gravatas
até o empregado agita a bandeja da mesma forma.

à minha volta
homens indecisos remexem a grande orbe de papel
[serão as suas mãos imensas
ou o mundo pequeno demais?],
às vezes penso que os sítios não existem
senão na minha cabeça
mas porque a agonia transparente
nunca se fez farol no meu trilho estelar
cedo abandono estes caprichos metafísicos.

os livros ensinaram-me que todas as coisas
se dão a conhecer ao ritmo da sua voz
mas no jornal tudo é silencioso:
os golpes do ódio
os golpes do dinheiro
até os golpes do amor.

na derradeira página,
já com os dedos manchados de tinta, café e sangue
o mundo fez-se mínimo:
nenhuma notícia falava de mim ou de ti.

paguei, recebi o troco e saí.
mesmo sem os braços de uma qualquer ciência anónima
fora dos jornais fez-se notícia:
afinal os nossos lábios não são a causa
do vosso mundo imperfeito.

mark isham, flames [o.s.t. crash, 2005]

quinta-feira, 3 de março de 2011

alexandria

                                                                berenika

os livros que li chegaram ao fim
como os restos de bebida.
é impossível resistir à dor de cabeça
quando o álcool
é a insónia a roubar o olhar
e a inaugurar a noite
igual à de ontem,
a mesma de amanhã.

os livros que li amontoam-se
pelos corredores.
são pilhas que rasgam o tecto,
e cobrem as paredes da casa
onde antes fugiam
os teus lábios de sal.

os livros que li escreveram o fim
como o copo derramou a bebida no tapete.
deixei de entender o sol de outono
e as árvores que agora anoitecem mais cedo.

os livros que li perderam a tinta
como as rugas que me marcam o rosto.
deixei as páginas voar por janelas fechadas
e o frio deita-se sempre ao meu lado.

os livros que li envelhecem comigo
abrigam traças esfomeadas
que hão-de morrer, apodrecer e secar,
os livros que não li
agitam os ventos das tempestades,
os livros que me lêem
escarnecem de mim
desde o canto do quarto.

junto a mim, o silêncio.
o mar adormeceu
e com ele
todos os barcos
e seus trezentos marinheiros.
e os livros, calados,
regressam à narrativa
como eu regresso às histórias que não tive
indiferente aos partos brancos
aos casamentos despidos
e aos funerais a arder.

sinto que escrevo
por entre os buracos das telhas
aquém do céu.
e tinge-se o papel
e a faca talha a carne
e o peito quebrado silencia a voz
para deixar entrar o amanhã.

tarde de mais:
todos os livros morrem comigo.

[laura alberto & jorge pimenta]

interpol, leif erikson