os olhares vazios
adormecem nas algibeiras.
são velhos agarrados ao outono
que agita folhas secas na memória
(o largo deixou o centro da aldeia).
são amigos que aceleram a vida lenta
esquecida no sono
que nunca teve intervalo
(ainda escuto o choro das árvores
agonizando naquela floresta sem vento).
a bola deixou de rolar com eles
os cães já não mordem
e o carro do lixo recolhe os canteiros
(as petúnias e os lírios agora
escrevem-se com as letras dos ciprestes).
debruçado sobre a neblina do corpo
escuto estórias
e apago lamentos de manhãs
que fervilham moribundos nas bocas
como seda na pele de uma cidade.
quis ajudá-los a escrever poemas
com nomes próprios
e alguns verbos no futuro
mas
as mãos afogam-se no riacho de tinta
e as pupilas vergam-se à sintaxe das artérias.
a hora é frágil
e o olhar apenas travesti macilento
suplicando pelo espelho:
no deles, a vida em combustão.
no meu, o pesadelo de não saber arder.
Jorge, viagem sombria "olhares vazios adormecem nas algibeiras", "a hora é frágil", o "carro de lixo recolhe os canteiros", o "pesadelo de não arder", que arde em poema. Desalento pleno de arrebatadora poesia. Mergulho, desarmada.
ResponderEliminarbeijos!
ana, já estou a ver o juan a sugerir fluoxetina, livros, café e música, hihihi!
ResponderEliminarum beijinho!
Jorge, querido, com que agudeza este teu poema percorreu-me por dentro...
ResponderEliminarpude ouvir "o choro das árvores
agonizando naquela floresta sem vento"
mas teus versos ardem, amigo, em plena combustão...
inda que seja, a vida, a queimar a morte em fogueria de folhas secas de outono
beijo com imenso carinho, tão querido amigo poeta!
curioso, querida andrea, sabes que já houve uma fase em que toda a minha escrita era água, rio, mar transbordante? já passei pela fase do ar, da ascese, do etéreo... presentemente estou num momento de fogo crepitante que consome, em combustão frenética, a vida e a morte...
ResponderEliminaracredito no poder purgativo e redentor do fogo. as queimadas, se controladas, sempre foram solução e não problema. espero ser capaz de circunscrever as chamas em que arde a minha poesia.
um beijinho, amiga!
jorge, penso que a poesia, tal qual diamante, é multifacetada.
ResponderEliminarsomos lapidados por estes elementos que nos permeam o ser, tudo vai nos tornando pedra mais rara...hora o fogo que consome, hora a água que cicatriza.
sem dúvida o fogo é redentor...há que se arder por dentro muitas vezes ainda, num queimar das velhas roupagens
penso que a sina do poeta é este eterno lapidar, nunca teremos a alma perfilada e quieta, porque dentro de nós a vida se expande e contrai, numa pulsação sem fim
e, quanto a mim, desejo que permaneça assim...
lembrei-me de um poema:
SER
Vir à luz em partos duros
- ser erva rasgando a pele
granítica dos muros
Viver em grades desterros
e ser um raio de sol
por entre os ferros
E quando tudo se for
morrer pela madrugada
com a raiz de uma flor
na mão cerrada
(LUÍS VEIGA LEITÃO)
este é o "ser" do poeta...
beijinho, poeta querido!
poeta das odisséias, das descidas ao Hades, das vozes pluriformes. fico a contemplar tuas palavras e os arabescos sinfonicos que entorpecem. abração
ResponderEliminarsabes, amiga andrea, a inquietação é, talvez, o sinal mais eloquente de uma alma. antes tê-la imperfeita, do que não a ter de todo.
ResponderEliminara poesia? apenas o veículo para a sua/nossa permanente refundição... pela palavra... língua de fogo, labareda de sensações, fogueira do ser!
beijinho, poeta das palavras doces!
acabas de trazer orfeu para junto de mim, querido amigo assis...
ResponderEliminarcerta ocasião, dediquei-lhe um poema. vou postá-lo hoje mesmo em "o gato da odete".
um abraço!
Jorge:
ResponderEliminargostei.
bastante!tens imagens muito bonitas.
1 abraço
olá, em@! já tinha saudades de te ver bem diante dos meus olhos!
ResponderEliminaragradeço-te o carinho que aqui deixaste.
um beijinho!
Diante desta foto meu caro me senti pequeno...engraçado como o ser humano representado por uma garrafa boiando é pequeno perto de uma "simples" ave...
ResponderEliminarBelos versos meu caro
E agradecido pelas visitas ao Rembrandt
abraço
É realmente uma benção, saber colocar em palavras, toda uma gama de sentimentos.
ResponderEliminarPrá mim, amigo, a parte final é tão linda, que fechou, com chave de ouro o poema.
Me despeço no aguardo de mais um.
Parabéns e um abraço
Cid@
senti exactamente isso quando vi a foto, juan. é de um fotógrafo que conheci nestas "blogolidas" e sigo com muita atenção e interesse o seu trabalho. o contraste entre o detrito, metaforicamente humanizado, ao lado de uma natureza estática, sem reacção, como que resignada ao movimento interminável do homem, é poesia absoluta! mesmo que sem palavras!
ResponderEliminarum abraço e um agradecimento especial pela tua infalível presença cá no viagens de luz e sombra!
Cida, que bom que gostaste! as tuas palavras carregam sempre o carinho espontâneo que só as gentes do brasil sabem deixar escorrer.
ResponderEliminarum beijinho!
Meu caro,
ResponderEliminarLembrança é navalha afiada...
[sim, arder, mesmo que metaforicamente, é um caminho. E apraz.]
Bela construção!
Beijos
palavras de fogo, lou... palavras de fogo...
ResponderEliminarum abraço com labaredas nos dedos!
Contudo, criaste.
ResponderEliminar- uma escultura, esses versos têm imã.
abraço e bom final de semana
e as tuas palavras têm sempre um magnetismo irresistível.
ResponderEliminarum abraço e bom fim-de-semana para ti também, mai!
"os olhares vazios
ResponderEliminaradormecem nas algibeiras
as mãos afogam-se no riacho de tinta
a hora é frágil..."
Neste dia, não houve pôr de sol...
lindo!
ResponderEliminar"são amigos que aceleram a vida lenta"
amigos são mesmo tudo...
beiijo
no deles, a vida em combustão.
ResponderEliminarno meu, o pesadelo de não saber arder.
"Voa coração. Ou então arde". (Eugénio de Andrade)
se é verdade, querida márcia... as mãos já se haviam recolhido nos bolsos, do mesmo modo que o sol se deitara antes de ter nascido... é o fim dos dias nas linhas macilentas dos rostos que se afogaram na memória do olvido.
ResponderEliminarum beijinho, poeta amiga!
os amigos são tudo... e são também eles que ajudam a vida a ser menos lenta... são eles o fósforo que risca a chama da existência.
ResponderEliminarum beijinho, grafite!
a terceira via que abres nesta citação de eugénio de andrade ajuda a dotar de pleno sentido o meu texto. voar... há sempre essa alternativa ao coração que não sabe arder...
ResponderEliminarum beijinho, vanessa!
belíssimo poema e belos são também todos os testemunhos que por aqui passam...
ResponderEliminaro "viagens de luz e sombra" crepita de vida!
O que é o gato da odete?
Bjinho e boas queimadas!
Tudo a qual ao seu modo, uma forma maravilhosa de sentir cada coisa. Num misto de sensatez e etc;
ResponderEliminarum beijo!
querida amiga andy, concebo o blogue de modo algo diferente, hoje, relativamente ao modo como o perspectivava no passado. e isso devo-o aos amigos brasileiros roberto, pedro e zélia, sobretudo. a ideia da construção interactiva de todo o tipo de laços (poéticos, desde logo, mas sendo estes, tantas vezes, apenas o pretexto para efabulações intermináveis que permitem a reescrita do próprio texto que serviu de mote e das próprias pessoas) apaixona-me. é assim como que uma espécie de encontro de amigos num café, ao início da noite... cada um, com a sua acha para aumentar as labaredas da fogueira :). obrigado por também tu contribuíres para que o fogo arda sem cessar!
ResponderEliminarp.s. o gato da odete é o blogue de uma equipa de poetas, sobretudo brasileiros, que vão postando, à vez, alguns dos seus trabalhos. integro o grupo há pouco tempo e tenho lá postado dois textos, até ao momento (um deles veio do circum-viagem). caso queiras espreitar, aqui vai o link: http://ogatodaodete.blogspot.com/
um beijinho e obrigado pela tua presença sempre tão carinhosa!
nunca tinha pensado numa forma tão poeticamente abrangente de descrever os sentimentos tradutíveis em palavras, sarah: "um misto de sensatez e etc". sem dúvida, é disso mesmo que se trata quando nos referimos ao que o coração dos dedos sente: etc. pelo seu valor incomensurável e plural, por um lado, e indefinido, por outro.
ResponderEliminarum beijinho!
Poucas palavras.....Perfeito
ResponderEliminarBeijo
Jorge:
ResponderEliminaressa, do me veres bem diante dos teus olhos, fez-me sorrir...
às vezes basta ler :D
beijinho
a vida urge e convida inclusive os mornos sedentos por tudo aquilo que faz arder.
ResponderEliminare é tudo! :-)
ResponderEliminar(desculpa a intertextualidade, magnólia, mas acabo de passar lá pelo teu primeiramente e de ler marguerite duras :-)).
beijinho!
pois, tens razão, em@... às vezes basta ler... outras ver... outras, ainda, sorrir.
ResponderEliminarno blogue consigo ver, ler e sorrir na simultaneidade da palavra. nada mau, hein?
um beijinho e um sorriso!
quantas vezes os convites são mais mornos que o próprio desejo de arder... e o drama maior? a vida urge.
ResponderEliminarum beijinho, a_leal!
Eu diria após esbarrar com uma viagem de luz e sombra...apenas : BRAVO !!!
ResponderEliminarBeijos
Aryane Pinheiro.:
Jorgíssimo,
ResponderEliminarDe tua "raiz queimada" e em teu "olhar... suplicando pelo espelho", o sopro de fogo que incandesce a existência até não mais haver sopro nem existência. Poema-combustão...
Abraço ígneo,
Pedro Ramúcio.
aryane, contigo por aqui a viagem tornou-se ainda mais estimulante. bem-vinda a bordo!
ResponderEliminarum abraço!
querido amigo pedro, as tuas palavras são madeira seca, acendalhas ufanas, petróleo puro, crude em bruto a fazer estragos em chamas brandas. impossível não arder em pura combustão, depois de as ler...
ResponderEliminarum abraço e sê sempre bem-vindo!
ó,
ResponderEliminaro kledir aderiu ao blogspot. depois cê passa lá pra "desopilar".
é satisfação garantida ou o seu dinheiro de volta...
http://blogkledirhome.blogspot.com/
beijão do
roberto.
jorgíssimo,
ResponderEliminarsua poesia está cada vez mais visual e acho isso um lance muito bacana, essa capacidade que a palavra (pela mão do poeta) tem de transformar um sentimento numa imagem...
e voce ta cada vez melhor.
abração pra ti, bracarense.
Jorge:
ResponderEliminarpois eu também...eu também!
:)
roberto, não sei que termos elencar para definir o que escrevo... não sei se uma estética da imagens, se do traço, se
ResponderEliminarda linha difusa ou deformada, se apenas das palavras amontoadas na amálgama do ser, ou do próprio ser em ebulição verbal... mas o que mais me preocupa é conseguir verbalizar as trincheiras da alma e que os meus amigos gostem do que v[l]êem.
perdoa-me a ignorância, mas... não sei quem é o kledir, mas se tu mo recomendas, vale com certeza a pena. vou lá espreitar na primeira oportunidade.
um forte abraço!
eu sei que sim, em@ :)
ResponderEliminarum abraço!
Caro Jorge,
ResponderEliminarAo ler Raiz Queimada, silêncio tomou conta e então, vim pra registrar que, se me permites, prefiro te chamar de Jorges, ao invés de Pimenta. Parece que temperos a vida se encarrega de dar, mas pluralidades, nem sempre, e esta "particularidade" tu já tens.
Deixo desejo de um domingo ensolarado por aí. :)