Ao Roberto Lima, amigo jornalista e escritor [cronicasderobertolima.blogspot.com], recém-chegado ao Porto, e que me tem dado o privilégio de com ele privar até domingo.
Aos meus amigos dos blogues, com votos de que o tempo se faça nosso, um dia, não apenas através dos dedos, não apenas na tinta, mas inteiro, absoluto, na madrugada fresca do nosso abraço.
Dead Combo, Esse olhar que era só teu
[Reencontro]
E quando o caminho perder os pés? Acaso os frutos silvestres chegam para lhe temperar a latitude, a longitude e o desejo de ser percorrido como todos os horizontes maiores que não sabem morrer?
ribeira do porto - 1
ribeira do porto - 2
ribeira do porto - 3
04 de novembro de 2011
Fiz-me à estrada. Não, não foi ontem, mas num dia de setembro, banal por certo, talvez até chuvoso como hoje, mas que adivinhou mais uma vida por detrás dos seus olhos abertos. Sim, foi nesse dia que me fiz à estrada porque fiz toda a estrada. E o alcatrão abriu-se diante dos meus braços, suspirante, tão leve que parecia flutuar, rir, agitar-se por entre as ramagens da timidez e do berço.
Foi num desses atalhos de trilho incerto, bem perto de todos os instantes, que os dedos me levaram para longe, bem longe – um homem perde-se sempre caminhando numa avenida em linha reta. Chovia. Pensei tratar-se de Belo Horizonte, primeiro. Consultei a carta que inventou a geografia e todos os geógrafos que têm nome e o souberam viver e cheguei a Jersey. Ao lado da América, Portugal; daí, num pequeno salto, o mundo, como ele só, imenso, sem metades, antes mão e corpo num abraço só. E o Roberto Lima, na sua máquina de escrever, chegou a todos os lugares e a todos os eus que os habitam. Já lá vão dois anos, mas o que é o tempo senão essa malformação genética que os deuses inventaram para nos humilhar e suster no desejo de voar?
O tempo é o Homem, dizia Borges, de olhos fechados para o mundo mas com a lucidez estendida para o Homem. E a chuva varria a harmonia do esquecimento. No dia em que me consegui ler nas palavras de Borges, despi-me de relógios, parti ponteiros, matei o sol ao mesmo tempo que gritava impropérios a Cronos e às demais divindades que escarnecem da sua criação mais imperfeitamente irresistível – o Homem. Percebi então haver uma luz que segue Borges e que nem eu, com os dois olhos bem abertos, consigo tocar, nas minhas dúvidas, aspirações e demais acordes de um fado sem guitarra, tão somente com alguma voz e frio, como as noites de novembro, chuvosas, numa qualquer cidade portuguesa.
O Porto, por exemplo. Ontem, na tasca da D. Helena, ali no coração da Ribeira, ao som da Polka [o fado, envergonhado e com os pés encharcados, temente da noite e da gripe, recolheu à cama cedo], revisitando a vida tão contrária em tantas palavras, a maioria de um conceito só, enquanto o rio encolhia os ombros, indiferente à indiferença daqueles que o abandonam por recearem que Noé tivesse perdido a arca no dilúvio neobíblico deste novembro português.
O Porto, de novo. Ontem, no Zé de Braga, confundindo a geografia, por esconder na Augusta cidade do Minho que lhe doura o nome tantos rostos e esperanças, desde Viseu a São Paulo, passando por todos os lugares que nos crescem na viagem.
O Porto, ainda. Ontem, com vinho do Porto, de aroma inalterado pela terra, cor rubi, lágrima Christi, o paladar de Adamastores e velas de linho e vento como aquele papel que entregamos secretamente, sem remetente ou destinatário, mas que sorri da tinta vazia, porque inscreve as coordenadas na mão que o riscou.
E o tempo foi nosso, porque o fizemos nosso. E o tempo foi o Porto, foi a Ribeira, foi o lugar e todos os lugares e todos os rostos e todos os nomes e nós. E nós.
Recomeçara a chover.
Já é tarde; daqui a pouco há mais: os Trovante e os seus cabelos brancos, já com 35 anos de carreira. Eles, como o Roberto e todos os meus amigos, tornaram-se aquela marca de pele que resiste ao tempo. Não que o tenham aprendido a matar; antes deram-lhe vida e souberam levá-lo consigo.
05 de novembro de 2011
trovante e o porto: as células de tantos [re]encontros
na biblioteca da música, a gui, o roberto, o zé manel, eu e a manela [a rosa treinava fotografia]
E os Trovante vieram. E com eles a flor azul que guarda as montanhas onde barricamos todos as alvoradas e quase nenhum crepúsculo. E sorriam, eles; e sorríamos, nós; o sorriso deles dentro do nosso, o nosso equilibrando-nos noutros, uns de pedra, outros de boca mordida, quando não de chão queimado, de estrelas de pó, de pó de estrelas, de estandartes, de rios fulgurantes, de centauros e foz, de todos os cavalos que galopam sem origem, sem destino, mas com memória.
É que nem todas as coisas do mundo se fizeram para murchar.
Sobre mim, alguém um dia escreveu:
Jorge Manuel Rocha Pimenta.
Nasceu em Braga, cidade onde fez os seus estudos: Licenciatura em Ensino de Português-Inglês e Mestrado em Educação, Área de especialização em Supervisão Pedagógica em Ensino do Português, ambos pela Universidade do Minho. Tem repartido entre o Instituto de Educação e Psicologia (da UM) e a Escola EB 2,3 de Viatodos (em Barcelos) a sua vida profissional como docente, supervisor de estágios pedagógicos e investigador, tendo nesta qualidade publicado diversos estudos e comunicações.
Da paixão do ensino não só vive; também do teatro e de todas as expressões artísticas de que frui. Mas é à boca de cena que se encontra com a poesia, em diálogo íntimo, onde o papel que representa é o do homem que é fazendo o poema cumprir-se.
Obrigado, Ana Salomé!