quarta-feira, 19 de maio de 2010

da boca

henry fuseli

eis como a boca é mais lenta
na saliva das palavras
eis como a boca inflama
nesse chicote de puro gozo
eis como a boca entumece
no orgasmo do dizer.

e contudo
fora da boca
os peixes fazem círculos
os frutos saboreiam o verão
e a água lambe o ventre das nuvens.

é verdade
não há como o esconder
mas a boca é o telhado cinzelado
pelas mãos do cio.

houve noites em que sonhei
que a boca incendiava o corpo do poema
mas à luz do dia
com os olhos abertos
o único corpo que ardeu
foi o do poeta
já sem voz
moribundo nas palavras.

inclinando-se sobre o olhar,
a boca inaugurava o silêncio.

35 comentários:

  1. fechou magistralmente o poema com uma frase genial:

    "a boca inaugurava o silêncio"

    sigo tentando descobrir, por experiência própria como é que pode ser que de repente, "eis como a boca é mais lenta
    na saliva das palavras"


    belo invento, poeta de braga.
    belo invento!

    abração do seu amigo
    roberto.

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  2. O silêncio em prenhez de língua e olhar.
    Prazer é ler tanto sentir na pele e alma de um poema.

    Poema que escorre dos olhos.

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  3. A boca pode silenciar o corpo do poema que o olhar não deixa desaparecer! Mais um texto capaz de me prender em várias leituras onde encontro sempre algo novo...

    Beijinho

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  4. Um dos mais belos que li por aqui, Jorge - se é que há condições de elencá-los.

    Beijos

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  5. Jorge, fico impressionada com tuas metáforas e simbolismos...cada leitura é um espanto e um encanto

    lindeza de versos, estes
    e profundos...para lê-los me debrucei à beira do poço onde o silêncio haita e dele bebi

    beijos, querido amigo poeta!

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  6. Por onde entra o alimento e por onde sai a palavra. Pão e Vocábulo. Sustentação e sustenidos. Ora pro nobis. Abração

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  7. é essa a magia da poesia, querido amigo roberto: apenas lá, se com o coração aberto, tudo é possível.
    a propósito, já me aconteceu de a boca ficar lenta na saliva das palavras... a saliva é ácida e, no dizer de eugénio de andrade, as palavras são cristais. acreditas que acabaram por se quebrar e morrer?... e a boca, aberta, órfã de sentido...
    um abraço!

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  8. respondes à poesia sempre com o mais fino poema, mai. que dizer, pois, senão obrigado!
    um beijinho!

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  9. sombra, as leituras são plurais, pois aquilo que nos constrói na ressignificação sígnica é absolutamente único e intransmissível (embora mutável - as pessoas também mudam, verdade?).
    fico feliz por sentir que a linguagem do texto é a que também tu falas.
    um beijinho!

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  10. "acordar do sonho é sempre assombroso." deixemo-nos a dormir, então, vanessa... tantas são as vezes em que melhor seria nem acordar...
    um beijinho!

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  11. obrigado, lou! sabes que não tenho sensibilidade para aferir de qual mais gosto?... é a velha história do juiz em causa própria :).
    um beijinho!

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  12. andrea, fico impressionado com o teu carinho. e por falar em metáforas, imagens e simbolismos, have-las-á mais belas que "para lê-los me debrucei à beira do poço onde o silêncio haita e dele bebi" :)
    um beijinho!

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  13. obrigado, magnólia! tivessem os meus textos um pouco da luz daqueles que criteriosamente deixas pousar no teu blogue...
    um beijinho!

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  14. tantas vezes por onde entra o fruto e sai o fel, por onde entram os lábios e saem as decepções... o céu e o inferno no tecto do corpo, o céu e o inferno no palato da existência.
    um abraço, assis!

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  15. jorgíssimo,
    fiquei tão feliz de ver-te naquele meu bloguete de fotos... que é meu jeito de ver as coisas...

    não tenho camera e lentes especiais... é uma maquineta vagabunda, sem maiores de-feitos... mas entrei nessa de fotografar coisas, apenas como um jeito de olhar que é meu...rs

    e não tenho outra aspiração que não seja essa... mostrar aos amigos o que vi, num dado momento.

    fiquei feliz de te olhar (ver) lá.
    saiba disto.

    ainda nos veremos em ouro preto.
    e cê voltará mais gordinho de lá.

    palavra de escoteiro.

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  16. robertílimo,
    tenho de admitir: já andei lá a xeretar, sim :). (tu tens "olho lírico" e eu "olho clínico" para detectar preciosidades na blogosfera, hehe).
    adoro fotografia e as sensações que me provocam (mesmo que não seja grande fotógrafo...), mas melhor ainda quando a imagem casa com títulos de uma sensibilidade apenas ao alcance de alguns. sem dúvida que tens aí um olho (imagem) lírico (títulos e imagens) extraordinário!
    quanto a vermo-nos em ouro preto... tenho de pensar muito bem... parece que aqueles ares provocam enchimento ventral (hihi) e as últimas calças que testei já me magoaram na cinta, hihihi...
    um abraço, querido amigo!

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  17. daquele silêncio que arde a boca e se desfaz nela, quando a voz se solta em flecha do coração...

    muito belo o teu poema e a pintura, perfeita ilustração do silêncio!

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  18. Realmente a boca beija é a mesma que escarra como nos dizia o grande Augusto dos Anjos...

    é interessante como você consegue adentrar nos mais variados temas sem perder a identidade de sua escrita meu caro...

    abraço

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  19. jorge, habita fica melhor naquela frase, né? (ops...eu enxergo mal com os olhos esses :)

    quanto ao carinho, digo-te apenas que sou pessoa de sensações, é assim que percebo o mundo, gosto do que me faz sentir bem
    e tenho descoberto pessoas preciosíssimas, com o dom de despertar em mim as melhores sensações, e entre elas, tu.
    e tenho carinho imenso por tudo que me faz bem...simples assim.

    beijinho, caríssimo!

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  20. tantas vezes procuro o silêncio, andy, mas tantas... é que, na maior parte das vezes só em silêncio consigo domar a intrepidez suicida da boca...
    um beijinho!

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  21. é incrível, juan, como a contradição é, recorrentemente, a nossa principal companheira. pela boca conquistamos a felicidade... pela boca soletramos a de-si-lu-são... será ela a irmã gémea do coração?
    um abraço amigo!

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  22. sabes que li e reli o teu comentário para perceber aquele "habita"? só mais tarde descobri que te referias à ausência do "t" no teu comentário :).
    sobre o carinho, apenas dizer-te que a poesia aproxima as pessoas; as pessoas, em convergência de espírito, tornam-se, elas mesmas, poesia.
    um beijinho, andrea!

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  23. Jorge, amigo, eis-me aqui, retardatária, por culpa do meu ultrapassado pc. Ainda arranjo outro...

    Belíssimo poema, Jorge! Cada palavra, um peso incalculável para o conceito final.
    Você, sempre voando mais alto...

    Um grande abraço

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  24. zélia, querida, qualquer hora é boa para a receber por aqui.
    obrogado pelo carinho que sempre deposita nas minhas mãos. é um privilégio conhecer alguém assim.
    um beijinho!

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  25. Jorgissimo, agora sou eu sem força!
    Mas digo-te que temso que continuar, sempre!!!
    Beijo e o nosso abraço de sempre!
    Laura

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  26. É a partir da boca que expelimos o que o coração tenta dizer, é de onde as mais belas e impuras palavras são exaladas.

    a boca é arma constante!
    uma bela quinta meu querido.

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  27. a força surge nos ramos da árvore da coragem, e essa sei eu que a tens no teu quintal!
    um abraço, amiga!

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  28. a boca é uma arma, sim, sarah, com a qual podemos matar e quase sempre acabámos por morrer...
    um beijinho desejando-te um óptimo dia, querida sarah!

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  29. Ao visitar-te, não pude deixar de concordar com a Mai: "Poema que escorre dos olhos".
    São os teus versos que ilustram a imagem, não o contrário.

    beijos

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  30. agradeço-te a visita, sarah! guardo com carinho e estima a generosidade das tuas observações. um muito obrigado!

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  31. Al Berto se atravessou no acaso entre as palavras deste poema. Num verso ouvia-o sussurrar... será que desceu ao mundo por um só poema?? Quem sabe?!!

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  32. al berto sempre esteve vivo e presente, nãosoueuéaoutra.pelo menos para mim.
    um abraço!

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  33. Teu espaço tem um plus, um bônus que são tuas palavras de sabedoria no espaço interativo.

    Muito bom.

    Ah!

    Belo trabalho que desenvolves com teus alunos.

    Outro abraço

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