domingo, 9 de maio de 2010

SIDEWAYS (2004)


Para o comum dos mortais, ele é apenas uma bebida com maior ou menor teor de álcool que produz efeitos diversos em quem o consome. Já para os especialistas, ele é um ser vivo com um percurso semelhante ao do ser humano, desde o dia em que é concebido, passando pelo ponto extremo de qualidade (mas também declínio e morte, se não consumido entretanto). Falo do vinho, obviamente.
E se, de repente, o vinho mais não fosse que a metáfora dos percursos de dois amigos que, na meia-idade, sentem que falharam na vida, assumindo a inexistência de projectos ou a mera existência de balões de oxigénio de consumo imediato? É justamente este o mote de Sideways, um filme de Alexander Payne (2004).
Miles é um professor de Inglês e escritor que se sente a caminhar para o ocaso da vida: passou por um divórcio penoso e o seu livro acabou por ver a publicação rejeitada pela editora, num processo que o enredou numa teia de decepção precipitando-o na depressão. Jack é um actor de televisão para quem a vida é um fruto sempre maduro que tem de ser consumido na hora, até ao caroço, numa demanda incessante pelo prazer e satisfação imediatos.
A viagem que ambos empreendem pela região vitivinícola da Califórnia é um presente de casamento que Miles proporciona a Jack e uma oportunidade para celebrarem a vida e a amizade.
De adega em adega, redescobrem os sentidos para lá da verdadeira essência de cada um: enquanto Miles sente o vinho no seu aroma, na sua textura, no seu corpo, na sua cor, Jack bebe-o de um trago só; enquanto Miles valoriza as castas frágeis, delicadas, que, se mal manipuladas, perdem todo o seu potencial, Jack procura a garrafa mais cheia ou o trago mais intenso. Não surpreende, pois, que aquele construa, ainda que a custo, uma relação com Maya, velha conhecida e também apreciadora de vinhos com quem se reencontra durante a viagem, enquanto este prefira relacionamentos rápidos e superficiais (Stephanie e Cammy), à revelia dos sentimentos que possa estar a suscitar no parceiro.
De peripécia em peripécia, o filme termina apontando dois caminhos: a viagem acabou por ser inócua para Jack (casa com a noiva como se nada do que vivera tivesse expressão); já para Miles, significou a redescoberta de si mesmo, da sua condição e daquilo por que vale a pena lutar na vida. Não é, afinal, essa a diferença entre um vinho de colheita seleccionada e um vinho corrente?

18 comentários:

  1. vi o filme. bebi o vinho.
    nada me chocou mais nesta vida, neste departamento, do que o chafariz da praça do bombarral, vertendo um tinto durante a festa das vindimas... algo assim...

    achei que ja tinha bebido demais...rs

    aqui estou, poeta bracarense...
    só as cascas.
    e ainda não são 6 da manhã em nova jersey.

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  2. pois, se não há hinos ao desperdício, querido Amigo?... imagina lá tu o que é um chafariz de chocolate bem no centro de bruges. a vontade foi saltar o muro e adormecer com a goela aberta debaixo daquela cascata de sabores... sei bem o que experienciaste lá no bombarral :)...
    um abraço, roberto, desejando que a casca regenere o fruto, rapidamente.

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  3. Jorge:
    será que esta será a crónica do próximo Despertar?
    Não vi o filme, mas espero que mo leves da próxima vez, :D!
    Quanto ao resto,, estudasses!
    Beijos
    Laura

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  4. Ah, espero vir a ser o Miles, :D!

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  5. hum... não creio... para "os filmes da minha vida" conto lançar a de "crash"; esta resulta de um exercício nostálgico: ontem deu-me para rever "sideways" e, porque consigo tocar sempre qualquer coisa de novo quando revejo um filme, um lugar, um rosto desaparecido, deu-me para isto.
    quanto a seres o miles... hum... olha que não sei se o ser ideal não devesse combinar o que de melhor o miles e o jack são e têm para oferecer... depois de veres o filme, talvez o entendas.
    um beijinho, lauríssima!

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  6. Jorge, meu amigo
    Logo cedinho entro no meu blog e encontro o registro lindo de tua visita: obrigada! Tua presença é sempre necessária...
    Corro pra cá , onde me espera o texto em que comentas , de maneira magistral, Sideways. Não vi o filme. Olha só: produção de 2004 e eu aqui... Mas não me passou despercebido( como poderia?). Embora goste muito de cinema , na época desse lançamento eu vivia uma fase mais ou menos atribulada , de modo que tive de me privar um pouco . Mas chegou a hora de provar desse vinho...

    Um fortíssimo abraço, querido!

    PS- Aproveitando o assunto, na próxima postagem falarei sobre cinema...

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  7. Oi Jorge
    Faz tempo que não venho cá te ler, ando numa correria danada. Queria te dizer que ando a gostar um bocado do teu livro, são poemas bem bonitos, e tb pra lhe dizer que vi esse filme e adorei!
    Um dia feliz pra ti:)
    bjinho
    Gi

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  8. tenho a certeza de que aprovarás esta colheita, zélia. é um excelente filme! a analogia que se estabelece entre vidas e o vinho é de uma delicadeza irresistível. além do mais, e em jeito de crónica de costumes, faz rir.
    passei há instantes pelo teu blogue. deixei lá uma pequena marca. o texto postado avivou-me algumas memórias de infância.
    um beijinho e obrigado pela tua presença sempre notada com um carinho muito especial!

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  9. olá, gisele!
    sê bem regressada!
    agradeço-te as palavras a propósito do meu "a-simetria das formas". reconheço que não deve ser tarefa fácil lê-lo em formato digital, pois o cheiro e o toque do papel dão mais vida a tudo quanto se lê; então se for poesia...
    como te tinha dito, o livro é uma antologia de textos com alguns anos (alguns deles têm mesmo quase a minha idade :)); hoje sinto que escrevo numa direcção distinta que, todavia, não renega a etapa anterior. vejo as coisas assim: como uma espécie de nuvem que vai passando, deixando um rasto que ganha formas diferentes em tempos e lugares também eles diferentes. é assim a escrita; é assim a vida.
    um beijinho!

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  10. Este filme é realmente maravilhoso...e ao mesmo tempo assustador...rsr...!

    Vinho e Literatura..duas coisas maravilhosas...

    ...Mas ambos podem fazer você esquecer da realidade!

    Abraço

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  11. vinho e literatura são, em si mesmos, feixes da própria realidade.
    um abraço, juan!

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  12. Gosto sempre da forma como descreves uma história, neste caso, como tens descrito os filmes que te são significativos...não vi o filme.
    Quanto ao vinho...pouco sei. Agora, um chafariz de chocolate, muito haveria a dizer sobre isso! hehehe

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  13. pois, como te entendo, amiga andy... se gosto de um bom vinho numa ocasião especial, já o chocolate é, em si mesmo, a ocasião especial :).
    beijinho!

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  14. Vinho e literatura encantam e entorpecem...

    Pela resenha(?), não há como deixar de ver o filme.

    Beijos

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  15. Obrigada, meu querido!
    Aqui faz um frio desolador e esse é um ótimo filme (que jaz perdido entre tantos outros no meu quarto).
    Vou reassisti-lo agora mesmo.
    Bjk.

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  16. não há mesmo, lou. não o deixes escapar. então se acompanhado de um bom vinho... hum...
    um beijo!

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  17. a redescoberta das coisas boas é uma permanente reconstrução e renovação. frui de sideways, de novo, Sophia. eu fi-lo e não tenciono ficar por aqui.
    um beijinho!

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  18. Entre muitos sabores e a relatividade das películas e do tempo - variáveis importantes - eu vim agradecer tua presença no rejaneando, sempre atenta e carinhosa, queridíssimo Jorge.
    Espero, em breve, poder estar de volta. Deixo-te um sorriso e desejo de tudo de bom.
    Saudade também, sinta-se abraçado, hoje, aqui e agora.

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