marcelo tabach
só por costume social deveremos desejar a alguém que seja feliz; [...] só se deve desejar a alguém que se cumpra: e cumprir-se inclui a desgraça e a sua superação.
agostinho da silva
há dias em que a felicidade se despede
dos compêndios de uma ciência menor
dos compêndios de uma ciência menor
para se refugiar numa chávena de café
entre o calor do desejo e a nuvem de um cigarro
cada vez mais negra
cada vez mais distante
exibindo apenas a borra no fundo da cerâmica
que a sorvos breves
procurei trazer para dentro de mim.
nenhuma mentira muitas vezes pronunciada se torna verdade
e os dentes caem sempre, um a um,
cansados dos golpes que a palavra desfere
súbita, cínica, sodomita.
há dias em que a felicidade me visita no café
ao fim da tarde
na penumbra que aquece as mãos
e acende escombros em cada sorriso de tinta e palavras.
não, não inventei a insónia
nem sei como é o rosto da morte
na arquitetura imperfeita dos sonhos,
cada vez mais burgueses e anafados
em bocas que persistem em perder o marfim.
há dias em que a felicidade me visita…
sim, eu sei,
é ao fim da tarde que se morre de amores
e o paraíso é somente uma insinuação de pele,
bem ali,
na mesa de café de uma qualquer cidade.
rodrigo leão & daniel melingo, no sè nada