terça-feira, 28 de setembro de 2010

etiquetas IV

fotografia de jorge molder

I. perspectiva
por vezes tudo sangra.
quase nada se esquece…



II. concessiva
continuo a acreditar
na explosão da alma
sob a locomotiva da pele.

e o sangue a correr de boca em boca.



III. (in)tensões
talvez um dia
te saiba ler com as mãos
talvez um dia
possa sangrar-te o nome
talvez um dia
me deixes escrever-te no peito

então,
não sabes que a loucura
arde ao lado do grito
na caverna ácida das intenções?



IV. hiato
o chão da vida
no derradeiro verso
racha o sono e o sonho pela metade.

já nem as noites sabem ser inteiras.

leonard cohen, the partisan

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

advertência

fotografia de josé figueira

quando o silêncio,
lascivo,
te lamber o peito
em busca da palavra que já não sabes dizer,

lembra-te, amigo,

não é o verbo,
quem viaja na sintaxe do ser
não é o verso
quem alimenta o animal louco;

são comboios e aviões,
automóveis e navios,
usinas e buzinas
em ejaculação mecânica
sobre ventres estéreis
onde a escrita é apenas
uma invenção dos homens
e o amor
a anedota maior
na boca dos deuses.




the mars volta, the widow

sábado, 18 de setembro de 2010

de olhos fechados

queridos amigos,
não tenho movimentado o "viagens" e tão pouco vos tenho visitado nesses lugares que muitos, respiram, já, como pele da sua própria tecitura. os meus olhos estão em repouso, sob uns óculos escuros, desde quarta-feira e assim terão de permanecer por mais alguns dias, pelo que as viagens permanecerão em rota branda, mas definida.
deixo-vos aqui um pouco do que senti "de olhos fechados". a música seleccionada é apenas um flash de cor, luz, brilho e som que o "império do sol" nos oferece e que nem sempre valorizamos:



empire of the sun, we are the people

prometo regressar à actividade dos blogues (e, sobretudo, das palavras e sua magia) dentro em breve. aguardem-me :)

um abraço com saudades de todos os meus companheiros de viagem!


de olhos fechados
é a treva
impressa dos dois lados do corpo.

a beleza com os olhos abertos
onde outrora
a árvore guiava o homem;
os óculos escuros
atirados sobre a noite
onde hoje se esconde o olhar.

das figuras rutilantes,
sobram sombras
em movimentos orgásticos
que percorrem o fogo da epifania.

a beleza fez-se sémen estéril
e apodreceu
às mãos
que trajam escafandros sem mar.

e o homem
por detrás do olhar nocturno
transveste-se em tecido negro:
é apenas a cegueira antopológica.

mergulho na noite (jp)

domingo, 12 de setembro de 2010

etiquetas III

I. a morte da escrita
porque escrevo,
sei
como a chuva te abre
e a mim apenas encharca.

porque escrevo,
decidi:
hoje canto o azul
num aparo sem tinta.

albufeira de vilarinho das furnas (gerês)


II. metamorfose regressiva
vá,
as águas verdes
que desprendem a língua
enquanto permaneces só,
sentado à porta,
jamais serão tuas.

vá,
varre as pedras da cabeça
e sai.

entre mundos (gerês)


III. anagrama
escondeu o seu nome
debaixo da pele.

não imaginava que um dia perdesse
a memória…
e o vinho perdeu
os lábios.

trilho na geira romana (gerês)

IV. colírio azul
enquanto deus
castiga os olhos
a fogueira arde
nas linhas do nome.

apenas colírio azul
entre sombras.

albufeira de vilarinho das furnas (gerês)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

factura

alessandro bavari, trypticon

nenhuma factura
fará esquecer a chama trémula
que nos levou até às palavras de papel
que não conhecem silêncios.

nenhuma factura
fará regressar os frutos silvestres
que substituíste por cristalizados
na taça do centro da mesa.

nenhuma factura
está guardada na carteira.
agora pagas o teu leite
e eu o meu tabaco
(nunca gostaste de dentes escuros
e eu do hálito branco).

é verdade,
nenhum dos dois saiu ileso
do automóvel que perdeu a curva
mas também não adivinhávamos
que a noite nos caísse sobre o peito
rasgando-nos o ventre clandestino.
se a morte jamais avisa,
por que o faria o fim do amor?




catpower, in this hole

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

epifania

salvador dali,angústia

o manuscrito da epifania
morre,
lentamente,
na noite que o escreveu.

a tinta:
seca
nos degraus da árvore;
o dizer:
cego
no glossário do teu olhar.

o meteorito da epifania
mata,
loucamente,
na noite que o esqueceu.

o tempo:
servo
nas dobras da árvore;
o desler:
centro
na galáxia do teu olhar.

(Cris de Souza & Jorge Pimenta)


Jessica yeh, sad violin

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

etiquetas II

évora (pormenor)


I. botânica humana
há um traço vegetal
a cruzar-nos
desde a nascente até à foz:
é o que (des)espera
pela mão que o saiba tratar.


II. resignação fértil
há uma morte que me persegue.
os dedos
mais longos que as minhas pernas
e a sua voz
canta-me na boca.
vá,
basta de cardumes de camélias
e barcos a evitar a corrente do álcool;
que o gigante me atropele de vez
(mas por entre os contornos do teu olhar).


III. a.deus (ou a.todos.os.homens)
todos os deuses
idealizam os próprios filhos.
será por isso
que o azul (i)mortal do céu
entra na noite dos homens
pela estrada onde se põem as estrelas?


nick cave and the bad seeds, far from me