jorge molder
e eis como os dias não se fazem apenas dias:
meteorológicos, mitológicos, ontológicos e ilógicos
[e tudo o mais que o silêncio aborte da boca do mundo]
são resina a escorrer à beira-dor
em passo lento
devastador, cirúrgico, operário
consumindo a língua dos segredos
cinzelados por mãos que se desprenderam do corpo.
sobrevivem os dias.
e sou manhã, tarde e noite dentro do dia.
sobrevive o corpo.
e sou o que não morre mas que agride mais do que afaga.
longe do silêncio dos dias e do corpo
as mãos escarnecem
como se a vida começasse naquele hiato
sem sermão, pregador, ofício ou deus.
falsa liberdade esta, a retinir nos tímpanos
[as sereias ainda são todo o canto que engana o mar].
mas já sem mar
e a léguas do sonho,
as mãos enrijecem, apodrecem, quebram na areia
que lhes prometera
o voo sem órbita e a viagem sem voo.
e o corpo tem a saudade tatuada
e o corpo amordaça a boca
e o corpo perde o tacto
no motim das mãos que impõem a despedida dos dias.
e os dias são fábulas
e os dias são narrativas sem prosa
e os dias são personagens de ficção
sobre a geografia das mãos sem capital.
oh, se eu conhecesse a fundo as lendas dos dias
os episódios do corpo,
as estórias insulares das mãos
restauraria a língua que nos trouxe o arrepio
sem calendário:
amarmo-nos como nos poemas.
[saberão os homens viver
como os dias?]
a touch of spice [ost] up at the attic