domingo, 28 de fevereiro de 2010


A noite convidava a um serão caseiro, longe da intempérie que varreu todo o país. Mas, a perspectiva de um reencontro com a amiga e Poeta Laura Alberto, no sempre mágico Porto, logo acendeu as luzes dos candeeiros e secou as vielas que viríamos a percorrer a passos vagarosos, lado a lado. Depois de um tour pelas melhores francesinhas da Invicta, a entrada no “Soho” da cidade, bem ali entre os Aliados e os Clérigos. Na zona mais cosmopolita e variegada do Porto, não fora o céu escuro e moribundo de estrelas e mais pareceria uma alvorada, tantas e tão diferentes eram as pessoas que conversavam, riam, agitavam copos, esbanjavam olhares, exibiam decotes, como se tudo ali nascesse e ali viesse um dia a morrer.
Do lado de fora, o inverno; dentro, o calor de mãos estendidas para a música e para os diferentes olhares dispersos em si. Difícil escolher… Pipa Velha, Twins, Maus Hábitos, Plano B… tantos e tão únicos se tornam sob o olhar dos filhos da noite. Arriscámos este último, espaço onde casavam gentes de proveniências, estilos e intenções diversas.
Agarrámos a noite… Soltámos a palavra… e por entre registos (irónicos, existencialistas, pseudo-surrealistas), deixámos que, a duas mãos, qualquer coisa acontecesse… Olhar para trás e tentar perceber, por entre as rasuras, se bem ou mal… que importa?... foi assim que a noite os escreveu.




plano b

hoje acordei
com vontade de ser alguém
(talvez escrever uma história
sem lhe adivinhar o fim)

hoje acordei
com vontade de ser alguém
(não apenas um ponto final
apontando a rota do recomeço)

hoje acordei
com vontade de ser alguém

o olhar desprende-se da órbita
e o corpo permanece esguio
arrastando o soalho para debaixo dos pés

(ah, malditas,
malditas paredes que se apertam
quadrando o círculo…
e amanhã adormeci – sabias?
na vontade de não ser – achas possível?
e jamais renascer – ousas?

hoje acordei
com vontade de ser alguém
(morder a maçã
e adivinhar o seu suco,
rebentar um balão
e agarrar o éter com os lábios).

- então, não sabes que na póetica do ser
não basta querer?

vá, dorme,
amanhã será passado.

(Laura Alberto / Jorge Pimenta)


Ode aos abutres-de-envergadura-ampla-e-olhar-fulgente-sobre-a-pequenez

Pum!
(silêncio abutral)

Fodeu-se…

(Laura Alberto / Jorge Pimenta)




Por tudo e por nada (ou o poema cru)

etc e tal
e se me der igual?
oh pá, não vou levar a mal
nem que me chames animal.

e se depois não der?
não importa quem por aí vier,
mergulho num charco qualquer
sem que nada possa trazer.

mas se um dia mudar
não será ar que vou respirar
nem a ti quem vou buscar
nesse nada lugar.

algum dia serei diferente?
perto ou longe desta gente?
[…]
Tua mão na minha para sempre.

(Laura Alberto / Jorge Pimenta)


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Jorge Sousa Braga - O Poeta Nu


O meu percurso como leitor torna-me, hoje, um ser mais selectivo tanto nas compras de livros como nas leituras que faço. Não, não se trata de um sinal de desprezo pelo muito e bom que hoje se publica e muito menos será um qualquer tique de sobranceria intelectual; é apenas o reconhecimento da finitude do ser humano que, no seu trajecto existencial, tem de pragmaticamente fazer escolhas, sob pena de passar ao lado daquilo que, de acordo com os seus padrões, se torne imprescindível conhecer antes de morrer.
Ainda assim, há um género literário que compro e leio compulsivamente, tantas vezes sem mesmo conhecer autores e textos: poesia. E porquê? Porque a sinto como a verdadeira expressão (ainda que metafórica) dos diferentes recantos existenciais do eu.
Foi justamente por isso que tropecei (e o verbo não é acidental) na poesia de Jorge Sousa Braga. Já lá vão uns anos, deixava eu correr a mão, um pouco sem critério, pelas florestas de autores de uma velha livraria no Porto, quando me detive num título que me interessara: O Poeta Nu. Desconhecia em absoluto, mas confesso que não foi sem alguma expectativa que comecei, ainda de pé, a deixar que alguns dos textos me entrassem pelos olhos; a pouco e pouco, acenderam pupilas, acabando por se alojar, com sorrisos, sob a pele (alguns versos ainda lá moram, numa varanda bem por cima da memória: Nem todos os frutos vermelhos/ merecem o céu/ da tua boca).
E, se estas leituras desgarradas podem ser perigosas, porque dissimuladoras da noção de conjunto, a verdade é que a escrita de Sousa Braga cedo sugere um sentido muito pessoal de tratar a palavra poética, que garante a uni(ci)dade mesmo numa leitura oblíqua: ora aponta para a dispersão, ora clama pela redenção. As pequenas epifanias foram-se sucedendo ali mesmo, de pé, poema após poema, ao ponto de ter deixado passar o tempo por mim – e como me deu gozo rir nos olhos do tempo, humilhado, vexado e, sobretudo, mal habituado à altivez humana, apenas possível quando junto das pequenas coisas (de que é exemplo a grande poesia).
Passaram-se anos sem voltar a ler o médico-poeta de 53 anos, natural de Vila Verde. E foi num novo acesso de discricionariedade que o livro me voltou às mãos: um amigo que tinha recomendado a um amigo que, por sua vez, o comprara para um amigo, num carrossel que traria Jorge Sousa Braga de volta à minha secretária.
Não sou daqueles que acreditam que não devemos voltar aos lugares aonde fomos felizes. Creio, firmemente, que os retornos indiciam sempre novas partidas e que é no recomeço de um lugar que em tempos foi nosso que o tornamos ainda mais nosso, porque se renova e reafirma. Assim sucedeu com a segunda leitura de O Poeta Nu, desta feita já não de pé, encostado à estante da livraria, a deixar o corpo a protestar contra o desmazelo com que por vezes é tratado… E, se a magia desflorara daquela poesia uns anos antes, desta vez (citando Emily Dickinson acerca da poesia), ela fez o meu corpo inteiro tão frio que nenhum fogo pôde aquecer-me […] como se o topo da minha cabeça tivesse sido arrancado.
Sem a pretensão de qualquer análise de teor literário (nestas coisas de leitura, em geral, e de leitura de poesia, em particular, mais que esquemas interpretativos fechados, deve contar as emoções e sensações que nos atravessam quando percorremos os textos), referia que a escrita de Sousa Braga é, sobretudo, dispersão e redenção. E a escolha deste par lexical é intencional, pois, em O Poeta Nu, convergem os contrários num todo que se harmoniza de forma tão perfeita que bastará, para o assegurarmos, deixarmos que também o nosso olhar se desnude. Falamos de uma poiesis que conjuga ironia e gravidade; crueza e delicadeza; violência e serenidade; amor sensual (por vezes extremo) e amor intangível, em qualquer dos casos sempre cruzado por um traço surrealista incontornável. Assim se compreende, por exemplo, que numa homenagem a Camões, o Poeta reforce o mito, não pela reprodução de lugares-comuns da genialidade, mas antes pelo deslocamento da grandeza do Poeta para um território humanizado, claramente aquele que foi seu, da sua vida, da sua poética: o mundo real, onde o prazer, a boémia, o excesso e a vertigem foram as molas catalisadoras. A abrilhantar o conjunto, um Camões que regressa aos nossos dias, expondo a vulgaridade em que a condição humana se instalou, à qual se resignou e, pior que tudo, de onde se recusa a sair:

MEMÓRIA DE LUÍS VAZ DE CAMÕES
Na auto-estrada do norte, de jeans coçadas e óculos escuros, uma longa trança sobre os ombros, rumo às florestas de abetos, a mochila cheia de coisas esquisitas, pássaros mortos, malmequeres de plástico.
Na auto-estrada do norte, a camisa ainda molhada do naufrágio, a pequena empregada da boutique desaparecendo para sempre nas águas do Índico.
Na auto-estrada do norte completamente pedrado.

(Jorge Sousa Braga)
Nem todos os frutos vermelhos
merecem
o céu da tua boca

(Jorge Sousa Braga, O Poeta Nu)



Bill Callahan, Jim Cain

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

e-tern(a)-idade

deixei de brindar à eternidade
prefiro eternizar-me no brinde

ciclo

por vezes dou por mim a acreditar na primavera como dedos longos de carícia deslizando sobre um corpo de areia... outras, no inverno, de mãos gretadas no corpo que enterra as raízes na água. talvez o calor e o frio sejam apenas auroras e ocasos a crepitar em chamas sobre neve sem flores... por detrás do meu olhar...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

fogo lento


hoje aceno a todos os que um dia vi
e despeço-me de quantos nunca conheci.
é que hoje sou apenas
a ninfa que se mascara de adamastor
para se esquecer de amar,
o rouxinol que se serve do corvo
para poder gritar,
a clepsidra que naufraga nas suas águas
para saber respirar
hoje sou tão só o Homem
em fogo lento a arder
à espera de acontecer
sabes o que hoje me apetece?
espreguiçar-me nos braços do frio,
e deitar-me cedo no quarto vazio
(talvez a tua ausência me colha a dormir…)

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Porto de(s)abrigo (ou o diálogo silencioso)


- Por que não soltas a âncora, apontas ao horizonte e zarpas por oceanos sem bússola, ó marinheiro?
-Quisera eu, pelicano de manchas fulvas, mas esqueci o remo e a vela…
- Por que não alças as asas sobre as varandas do mundo para seres continuamente outro, ó capitão sem leme?
- Quisera eu, albatroz de voz redonda, mas a cera da coragem derreteu nos raios da inércia…
- Por que não te deitas sobre o corpo de água e fecundas portos-por-descobrir (lá onde apenas marinheiros sabem contar as histórias que nos moldam gente e entoar as melodias com que se constroem os dias), ó marujo sem estrelas?
- Quisera eu, gaivota sem costa, mas encostei o ouvido ao mar e naufraguei no seu silêncio…
- Por que permaneces quieto, atolado num cais sem corrente, com o vento por inaugurar, ó Neptuno sem trono?
- Porque a jornada se há-de cumprir num mar que não é teu nem dos homens; corre dentro de mim e um dia hei-de marejá-lo em nau de papel e mastro de tinta. Dos círculos da viagem nascerão rosas fecundando luas brancas e extinguindo abismos negros, como luz nos contornos líquidos do teu nome.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

viagem

Brugges, 15 de Fevereiro de 2010

visto o sorriso que tranco por dentro com a chave de areia que tantas vezes perco no bolso dos jeans rasgados – há sempre um bem guardado para as melhores ocasiões (embora nem sempre saiba distinguir aquelas que o merecem…)
ao ombro, a mochila carregada de mapas e guias de lugares que existem, apenas, em imagens de um mar, cansado de navegar, que se entrega à costa para sofrer os castigos por já não saber beijar. os músculos flácidos amolecem-lhe os ossos, outrora viris, os mesmos que souberam murmurar ao vento o nome dos escolhidos para as rotas da sublimação (desisto de procurar… virei e revirei os arquivos da tua vida e o meu nome teima em não aparecer…)
nos pés, aquelas botas que sulcaram terrenos férteis debruçados sobre infinitos de horizonte breve (o teu sorriso bordado com a linha da verdade permanecia suspenso entre o desejo e a impossibilidade – afinal a marioneta de destinos incumpridos eras também tu, não apenas eu…)
os passos saem débeis, na titubiância de remos oblíquos que dispensaram o capitão. creio firmemente que não se salvou daquela tempestade de estrelas que caiu sobre a nave da loucura naquele dia em que se auto-proclamou neptuno… vi-o estendido no chão, sobre a alcatifa azul onde naufragara sem aplauso, sem glória
depois da porta, uma melodia desprende-se de dois candeeiros celibatários expulsos do paraíso por se recusarem a acender os diademas de falsos reis, aqueles que deixaram inclinar a noite sobre o rosto por crerem que o mundo cabia, inteiro, nas suas mãos entumecidas pela soberba
sento-me com o olhar perdido num tempo em que também eu sabia cantar, em que também eu podia brilhar, por mais baça que a noite mergulhasse sobre espelhos de água corrente
sento-me com os poros vertendo a água que escorre dos olhos à boca, como um murmúrio de nascente que deixasse de saber para onde correr
sento-me com as mãos sobre a cabeça numa orgia rutilante que rasga, em cutiladas vigorosas, a frescura do silêncio
sento-me e percebo que ficaste para trás
e é no lugar que deixas molhado que cabe todo o tempo




Mafalda Veiga, Cada Lugar Teu

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010


Portishead, Magic Doors

I can't deny what I've become
I'm just emotionally undone
I can't deny, I can't be someone else

when I have tried to find the words
To describe this sense absurd
Try to resist my thoughts
But I can't lie

I've been losing myself
My desire I can't have
No reason am I for

I can't divide or hide from me
I don't know who I'm meant to be
I guess it's just the person that I am

Often I've dreamt that I don't wait
Enjoy the gift of my mistake
Like then again I'm wrong and I confess

I've been losing my self
My desire I can't have
No reason am I for

ventre líquido

à cidade de Brugges
aos meus amigos


subtis passos vão percorrendo o corpo.
sobre a pele branca
cristais de luz obliquam
numa dança sem ventre
num aroma sem voz

o olhar fixa-se nos contornos finos
que abrem em espelhos
como diamantes em cascata

escuto o gemido das águas
e o esbracejar de aves sem ninho
enquanto o algodão se desprende,
lentamente,
dos braços esguios que seguram o vento
outrora verde
outrora sonhado
já-por-abraçar

refugio-me nas entranhas da cidade
para sorver o seu calor doce,
perfume exótico e negro
que entumece nas pedras
e se amplifica no ar
numa suspensão sensorial

schiu...
os lábios de pedra
segredam-me o teu nome...
mas, por mais que procure,
são apenas arcos líquidos
deslizando sob convés
de sorrisos e olhares em frémito
onde a tua imagem indefinida
se desfaz naquela lágrima
que não conseguiste suster

e assim,
no contacto frio da tua ausência,
as mãos repousam em silêncio.
Lille, 15 de Fevereiro de 2010
a Lille
a Brugges
aos amigos
às luzes sem sombras
ao desejo de não deixar de viajar







quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A mão que embala o sonho
é a viagem ao tempo da memória
onde os deuses são de carne e osso
e consomem as horas
esbanjando conversas triviais
que os tornam cada vez mais homens
como as pedras preciosas
que ainda sabem brilhar no escuro


frühling in paris - Rammstein

"Oh, non, rien de rien,
oh non, je ne regrette rien"

(oh, não, nada de nada,
oh, não, não me arrependo de nada)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

gostaria de ter sido criança muito para além do tempo que o tempo me concedeu. Beijar tudo e nada enquanto sorrisse com o rosto coberto do pólen das bocas daqueles que o souberam roer, e, de sorriso em sorriso, secar as lágrimas dos que não aprenderam a abrir o arco-íris ou depressa o esqueceram - a memória fica sempre para trás, não é? é que as crianças não sabem chover e quando gotejam são caramelos a derreter ao lado da boca, enquanto as velas nos altares extinguem promessas que alvoroçam santos menores (aqueles que conservam os pés sobre o pó, como se soubessem onde moram a tristeza e a alegria).
gostaria de ainda ser criança, mas o tempo coseu-me a boca para não gritar, colou-me os olhos para dormir ou para não voltar a sorrir. talvez deseje que viva acima da dor e além da esperança (nunca soube bem distinguir o optimismo da ingenuidade)... mas a única dor que tenho é a perda da esperança de espernear, fazer birras, chorar por rebuçados ou deslizar encostas abaixo no dorso de carrinhos de rolamentos e nos olhares húmidos de raparigas que saltam à corda.
gostaria de não ter deixado de ser criança. perdi a noção das cores e aqueles que desaprenderam de amar merecem ter os olhos vermelhos nas fotografias. por que é que o tempo não abriu uma excepção?

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

ser adverbial

descerrei os olhos e tropecei no silêncio.
em mim já nada dizia
e quase tudo significava.
entre a palavra e o sentido
(ou seria entre a voz e o coração?)
esbanjámos silêncios...
silêncios de poemas medíocres ou por aceitar
silêncios de lugares perdidos ou por achar
silêncios de rostos amados ou por perdoar
silêncios de mãos desprezadas ou por tocar
silêncios de um tempo
silêncios do tempo
em que o ser era apenas ser...
sem advérbios.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010


Priscilla Ahn - Dream

praia

sorrisos atirados às ondas
sonhos naufragados na areia.
em nós, o silêncio do mar.

rochas

desço a escada do mar
onde barcos se perdem em rosas de espuma.
eu? nas linhas da tua mão.

areia

cabelos de ninfa estendidos
sobre o lençol branco do mar.
viagem do teu corpo no meu.

cais

nave de espuma
agitando a orla do horizonte.
atrás e diante de si, o sonho e a desilusão.

mar

entre o céu e as profundezas
trevas e luz por conceber.
sobre as ondas a harmonia do caos.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

búzio

penetrei-lhe o ventre
e não senti o mar.

acaso saberei procurá-lo?...

Viagem

Chegas
com toalhas brancas cobrindo os pés
como se os lugares que conheces
não existissem
senão em páginas arrancadas a livros
por olhos gastos.

Escondes-te
sob flores brancas atiçando a noite
como se o céu negro que nos engole
não existisse
senão em cartas de vinhos envelhecidos
por bocas estéreis.

Partes
em dedos de tinta navegando o poema
como se o sorriso que vela a lágrima
não fosse
senão barca ébria nas veias
por lábios exangues.

Cansados de existir (ou de escrever…)
não morreste por mim
nem eu por ti;
apenas fechámos os olhos.
Mas o poema asfixiou na solidão
entre a palavra e o silêncio
(o horizonte para sempre perdido).

Mas, que diferença faz?...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Até ao fim


Deixei de escrever…
Entrego-me ao cálice de chuva
e aceito a cinza do céu
como tela da memória
pelos pincéis do olvido

sei lá se devaneio onírico,
rasgo de artista plástico medíocre,
num sonho anterior ao sono
ou pesadelo durante a vigília…

Deixei de escrever…
Entrego-me ao ventre do Tempo
e aceito o eclipse das estrelas
como o vinho no fundo do copo
se conforma com a vindima do corpo

sei lá se a loucura do fim dos dias,
capricho de um deus menor,
um sorriso no vazio da terra
ou aplauso à resignação…

Deixei de escrever…
O derradeiro beijo
repousa sobre a secretária,
lacrado num envelope sem selo.

Na parede,
com os rostos aprisionados às mãos,
as fotos que não tirei
(porque me deixei a dormir)
entumecem a vulva insaciável da clepsidra:
as horas estão a zero
estranguladas pela água justiceira
numa morte sem lágrima,
num fim já celebrado.

Afinal,
o mundo ficará mais perto da perfeição.




Pearl Jam, The End

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Para todos aqueles que caminham, que porfiam, que crêem e que sabem parar para poder dizer "respira, simplesmente".


Pearl Jam, Just Breathe

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

campo florido

o vento desprende leves palavras
e um tímido clamor de terra
estaca como um barco falhado
na titubiância da voz

no almíscar da manhã
sob o rosto frágil
de uma perfeita melancolia
um bater de asas quase imperceptível

é a sombra do voo passado
pousando sobre mim
como mariposa aturdida
que se enganara na flor

procura rosas de espuma
com pétalas de esgar obscurecido
lá bem longe do mar
sob o olhar indiferente de gaivotas e pelicanos

na semiconsciência de não ser
desprendo o olhar e sonho
poder ainda distinguir as estrelas
por entre as linhas da tua mão


The Smiths, There Is a Light that Never Goes out

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Circum-viagem

"Caminha pois à beira de abismos
sob a sombra das estrelas...
Pois, para chegar tens que partir
Para esquecer, tens que recordar
Para acordar, tens que sonhar
Para renascer, tens que morrer...
Pois que, para o coração de um poeta
Os versos são a nau de viagens de luz e sombra..."

(Texto de Márcia Cristina Lio Magalhães
21 de Janeiro de 2010)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Opeth, Isolation Years