sexta-feira, 16 de abril de 2010

Crash - Colisão


Estreou em 2004, mas, como a generalidade dos grandes filmes que não dispõem, na retaguarda, de uma máquina comercial poderosa, terá passado despercebido do grande público; falo de Crash.
Num mundo pluricultural, pluriétnico e de grande diversidade moral (de que o melting pot norte-americano é o expoente maior), o racismo, a intolerância e o egocentrismo são apenas pretextos para se tocar no que de mais profundo move o ser humano: as relações interpessoais.
Partindo de um frame narrativo muito em voga na cinefilia actual, Paul Haggins apresenta-nos não apenas uma galeria de actores (excelentes, diga-se), mas, sobretudo, de pessoas, feitas de carne e osso, corpo e alma que, como qualquer um de nós, independentemente do seu estatuto e das suas valências, tem "crashes" na vida. Temos, assim, diferentes estórias paralelas que, ora nos pequenos detalhes, ora nos grandes cometimentos, cruzam destinos, num exercício psicológico e social que (até porque bem suportado numa banda sonora arrepiante, da autoria de Mark Isham), chega a atingir níveis de dramatismo verdadeiramente perturbadores.
A ideia maniqueísta que durante anos a indústria cinematográfica vinha vendendo, sugerindo que no mundo apenas havia dois tipos de pessoas - os bons e o maus - cai redondamente por terra neste filme. Estamos perante um registo humanizado do indivíduo (na sua relação consigo mesmo e com os outros) que, quando confrontado com diferentes desafios, pode reagir como lobo ou cordeiro. Esta ideia é tranversal, já que cruza todas as personagens, diria que fatal e irreversivelmente. Assim, da redenção à queda ou da queda à superação vai um instante tão breve quanto todos os que separam os grandes valores da espécie humana.
No final, a certeza de que o acidente (Crash), que simbolicamente abre e fecha o filme, acaba por todos tocar, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente.



In the Deep, Bird York (from Crash)

15 comentários:

  1. Aqui você faz a resenha ou sinopse de um bom filme. Porém, mais que isto eu li idéias, com as quais concordo.
    Não somos 'bonzinhos' simplesmente, ou maus definitivamente. A questão da sobrevivência, da alteridade, dos valores, da diversidade parece correr como veios de rios em direção à foz.
    Mas há obstáculos e desafios a vencer.
    Ironicamente, em meio aos avanços tecnológicos, acumulamos tanto 'lixo' que talvez não saibamos quanto tempo, como ou onde chegar.
    A incivilidade avassala a espécie e o mundo.

    Bela trilha.
    abraços e bom final de semana.

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  2. faço parte das talvez poucas pessoas que não viram o filme referido, despertaste a minha curiosidade...bela música e vídeo. A propósito, parabéns pela casa cheia! :)
    Bjinho!

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  3. é o cinema para mim assim, Mai: conflito, perturbação, inquietação, dilemas, questões e... poucas respostas. como a vida, afinal.

    pois, querida Amiga Andy, procura ver. crê-me que pela história, pela realização, pela interpretação e não menos pela música é uma obra marcante.
    um beijinho a ambas!

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  4. Jorge
    Quando vi esse filme, ainda morava aí no teu país, lembro bem que fiquei umas duas semanas a pensar no filme, é perturbador realmente, um grande filme.
    Te agradeço por trazer esta lembraça e tb te agradeço pela visita lá na Lírica :).
    bjinho
    Gi

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  5. Hum, Despertar????
    Beijo amigo!
    Laura

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  6. Perturbador, sim, Gi. O Pollanski dizia que o verdadeiro cinema tinha de inquietar, não apenas divertir.
    Tenho passado no teu lírica, espaço onde o bom gosto e a sensibilidade dão as mãos.
    Beijinho!

    Obrigado pela visita e pela simpatia. Juan.
    Um abraço!

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  7. Crónica d'O Despertar apenas circunstancialmente, Amiga Laura. O texto resulta mais da vontade de escrever sobre um filme que me marcou, mas, ainda assim, e caso não surja nenhuma crónica para a secção "Os Filmes da Minha Vida", esta será a que por lá irá figurar.
    Beijinho grande!

    P.S. Há um aniversário de alguém que me é muito querido que está aí à porta :)

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  8. Crash é um ótimo filme. Explora bem as interrelações a que estamos submetidos de forma imperiosa, independente da nossa opção. Abraço.

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  9. Jorge, descobri um blogue com desenhos das ruas de Braga, ó espreita lá...
    http://diario-grafico.blogspot.com/
    achei o blogue lindíssimo!

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  10. Ótima resenha, Jorge. Esse filme é incrível e é preciso ver mais de uma vez pra poder absorver todos os detalhes. O retrato que ele faz das relações humanas é muito justo. A alternância dos papéis que representamos na vida depende sempre da situação a que somos submetidos, não é? É mesmo um excelente filme.

    Obrigada pelo carinho com as minhas letras. Fiquei honradíssima pela sua escolha, e curiosíssima para saber qual texto escolheu para a aula. rs

    Beijo, querido

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  11. É verdade, Assis, é mesmo essa a minha leitura: a humanização dos caracteres torna o filme, mais que uma imitação da vida, a própria vida.
    Abraço!

    Sabes, Sylvia, vi o filme em 2004 e já na altura gostei muito. Por acidente, revi-o há oito dias e não imaginei que me tocasse tão profundamente como o fez (nem aquando da primeira vez que o vi). Acabei por, no dia seguinte, o ver de novo, e pela terceira vez (acho que chega, hehe).
    O texto que escolhi para afixar num enorme plátano da escola é "Concomitantes". Um relato poético do real (um pouco ao jeito de "Crash").
    Beijinho!

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  12. Acabo de passar por lá, Andy! Ainda que na diagonal, não deixo de notar o que havias sugerido: muito bom-gosto e uma capacidade de captar o real e filtrá-lo pelas impressões invulgar. Está lá a cidade, não como é vista por mim, por ti ou por outro turista qualquer; é a cidade que o olhar individual é capaz de captar.
    A Velha-a-Branca é já uma instituição da cidade :)

    Beijinho e obrigado por este presente!

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  13. Um filme singelo, mas significativo pela abordagem excepcional e intrincada em valores morais, pautado em racismo e reflexão sobre condutas.

    fale mais sobre cinema ou crie um blog sobre esses assuntos!

    abraço

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