quinta-feira, 4 de março de 2010

Gare sem Nome

Março. Caiu o frio no silêncio.
O meu abrigo passou a ser o barulho dos outros – sei-o eu; não o imaginam eles. Mas só nesta semi-inconsciência consigo esconder-me, ou acabaria asfixiado no oxigénio das mãos nas costas e das palavras moribundas que despedem, lentamente, “as melhoras”, ou “deixe lá, vai ver que não é nada”.
Por mais que grite ou esbraceje, já não há como aquecer a humidade do corpo ou sentir o cheiro de flores secas na terra revolvida.
Ergo a gola do casaco e arrasto o tempo até à estação de caminho-de-ferro. São apenas dois passos e uns quantos cigarros mal fumados a distância que me separa de um destino que não sei por que escolhi…
Diante de mim, luzes baças de candeeiros sem dono recortam as linhas alongadas na noite que adormecera na gare.
Dentro de mim, na garganta, carris enferrujados prenunciam viagens a vapor que esbarram em horizontes negros, como se engolidos pelo fumo espesso desperdiçado sobre o tecto do mundo. Uns degraus mais abaixo, o peito despede-se de pessoas carregando sacos no afã de uma viagem que receiam ter de cumprir. No coração, apenas o relógio com ponteiros de prata onde o tempo parou, à espera da locomotiva que se perdeu na encruzilhada férrea do teu nome.
E o muro de carne que me impede de entrar perde-me na sombra acidulada com que se constrói a casa da melancolia.


Nick Cave

7 comentários:

  1. Caiu o frio no silêncio. Imagem fina de melancolia. Escreves com um pincel a compor aquarelas de sentimentos. Díficil não ficar impune as palavras. Meu abraço.

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  2. os caminhos que percorremos...
    adorei o texto
    Bjinho!

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  3. Jorge,
    Gare sem nome... o que é um nome, que eu o pronuncie? O poeta é uma gare sem nome: Jorge Pimenta... diante dele, luzes baças de candeeiros sem dono recortam as linhas alongadas da noite que adormecera na gare, essa noite que o faz sonhar semi-inconscientemente e ser poeta com as pétalas de seus dedos.
    Jorge, eu te pronuncio poeta...

    Abraço luso-mineiro,
    Pedro Ramúcio.

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  4. Queridos amigos, enormes Poetas, a todos um agradecimento pelas pétalas de vermelho vivo que aqui me deixastes. Um grande abraço!

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  5. Está frio e ninguém te aquece, é dia e o tempo passa rapidalento.
    Procura as cores, amigo!
    Abraço

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  6. "No coração, apenas o relógio com ponteiros de prata onde o tempo parou, à espera da locomotiva que se perdeu na encruzilhada férrea do teu nome.
    E o muro de carne que me impede de entrar perde-me na sombra acidulada com que se constrói a casa da melancolia."

    Despe-se do muro, veste-se com a alma, atravessa pois o abismo, pois que os anjos sabem voar...

    um beijo poeta do possível!!

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