segunda-feira, 15 de março de 2010

por[o] engano

Atracado em terra seca, Ribeira de Mures, Juromenha
Foto de José Figueira (publicação autorizada)

cansei-me de percorrer todos os teus poros inúteis. questiono-me mesmo sobre se a tua pele respira (ou terei sido eu quem perdeu o olfacto nas bebedeiras que apanhei de ti?...). será que a tua existência ainda é a pedra sonora que entoa o cântico do mundo, ou apenas a ressaca que me agarra o sangue, como um dique segura a solidão?
durante uma vida vesti-me com as tuas mãos e sorri com a tua boca, mas, quando chegou o fim do mundo, olhei para o lado e apenas encontrei o mesmo chão (gasto), as mesmas cadeiras (vazias), as mesmas paredes (nuas)... até o tempo parece ter endurecido nos ponteiros da felicidade. a este dejavue falta uma peça: tu.
dei por mim a pensar se terás sido tu quem adormeceu na minha insónia, empurrando-me para uma viagem sem volante e estrada, ou se terei sido eu que me perdi de tanto procurar e de ainda mais querer achar. estarei aí? não consigo refazer-me da dúvida e, sob os pés, as tábuas agarram-me o sangue, como se segurando-o pudessem conter a fome e o desejo que pairam nos carris onde uma composição (que nunca conheci) se dobra sobre o metal fulgente (também, quem lhe mandou acreditar nas guias da viagem?...).
mergulho no rio, despindo a saudade e lavando o corpo dos passos em vielas sujas que marcaram, durante tanto tempo, o compasso. (olha, eu ainda tenho pele!?...).
fui lá; estive lá, mas porque o cântico da água imita os teus suspiros, não consigo sair de lá. não fossem as flores que bordejam as margens cuspirem pétalas de fogo e eu morreria hipotérmico junto à tua boca... como que por engano.

5 comentários:

  1. jorge,
    em meio à insônia, venho embarcar na nau da sua poesia.

    o poema singra terra e mar, levando-nos com ele.

    evoé, poeta!

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  2. "vesti-me com as tuas mãos " és realmente o poeta que torna as coisas belas, incrível!
    Também nado muitas vezes nos rios e charcos mas obrigo-me a percorrer os trilhos!
    Abraço!
    Laura
    (Coincidência está a dar O Argentino, no momento em que escrevo isto)

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  3. Lendo-te, lembrei-me ou me dei conta de uma narrativa que estou por terminar em que uma das personagens não possui olfato, não sente cheiros. Tento compor esse desatino. Abraço.

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  4. "...o cântico da água imita os teus suspiros..."

    sempre inigualável!
    Bjinho

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  5. E não é que tu ainda não segues o meu blog?????
    TTssssss!!!
    Acabaram-se as francesinhas!!!
    Beijo!

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