segunda-feira, 5 de julho de 2010

m(ot)im

vénus de willenforf

m(ot)im

a vida abre-se como botões de rosa
em jardins alinhados
em látex e formol.
coxas femininas anunciam o destino
no v desenhado sobre marquesas,
enquanto o deus nomeado pelos homens
converte planos de felicidade
numa criação exclusiva das suas mãos.
tudo é luz, milagre, constelação… à espera da noite.
e o sangue que rega os corpos sem vida
acende também o relâmpago da existência
naquele rectângulo asséptico
de uma ilusão transparente.

os dias correm
sob patas rutilantes
que latejam nas têmporas do quotidiano:
são tentáculos a irromper pelas paredes húmidas
sobre a cal que o artífice da vida
jurou envolver no meu corpo.
do estio prometido
sobra o calor do inferno;
da brisa anunciada
apenas as trevas do inverno.

e no vaivém dos dias
a pele arde na fornalha da locomotiva
que cospe os derradeiros bagos de céu.

pergunto-me por ele,
o guardador de rebanhos
que engana as reses brancas
e abandona as negras
umas e outras antes de saberem morrer.

a resposta?
...

deixei de saber esperar;
inicio a descida
ao lado do pássaro
que me despiu as asas.


Alcest, écailles de lune – part 1

17 comentários:

  1. Com que palavras perfeitas você me fala de um admirável mundo, que não sei identificar: velho? novo?
    Fico sempre encantada com a linha sobre a qual se equilibra a sua poesia, amigo Jorge! Nalgumas vezes, fio de seda; noutras, fio da navalha... E sempre provocando calafrios n'alma...
    Lindo demais, meu querido!
    Imenso abraço

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  2. sabes, querida zélia, há momentos em que a poesia questiona tudo. desde logo, o deus e o homem; este que se julga (na sua pseudo-divindade) tão grande como ele, num exercício que tornaria a babel tão presente quanto necessária; aquele que vive de um estatuto que o põe a coberto da discricionariedade das coisas/causas.
    ai, este mundo novo que é já tão velho e que apenas a poesia, com o seu fio se seda e aço, pode ajudar a entender...
    um beijinho, amiga!
    registo as tuas palavras como molas de engrandecimento de qualquer texto!

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  3. "...deixei de saber esperar;
    inicio a descida
    ao lado do pássaro
    que me despiu as asas"

    tão belo poema!
    às vezes das descidas irrompem belas asas...
    beijinho, amigo!

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  4. verdade, andy, e tu que falavas num mundo de fadas desencantado... já nem nesses se pode confiar... :)
    um beijinho, amiga das palavras e para lá delas!

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  5. Um universo paralelo esse da poesia. Vê tudo o que se passa do outro lado, mesmo assim, insiste em tornar cada fardo mais belo. Vc tem esse dom do lirismo.

    Beijo.

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  6. Pois é amigo, eu por lá falando de Paz, te encontro aqui amotinado...:)

    Será que somos mesmo enganados?
    Será que somos mesmo abandonados?
    Não creio...

    Às vezes, percebemos as coisas do lado do avesso, e pensamos que é o certo.
    Quando é a nossa verdade, nem questionamos.

    Afinal, se até "o silêncio, pode ser o grito mais alto", como já dizia Schopenhauer, como poderemos desvendar os mistérios da vida deixando de esperar, e despindo-nos das asas?
    Te garanto, que mesmo quando achamos, conscientemente, que não sabemos mais esperar, a alma continua na espera, nos levando sempre para o alto com suas asas de luz.

    Mas aí, o que está envolvido, se chama Fé.

    Paz e Luz prá você poeta de além mar.

    Cid@

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  7. Este é um mundo, Jorge, que vou aqui tentando desvendar pelos seus versos...quem sabe consigo???
    Beijos,
    Tânia

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  8. cid@ e lara, julgo que o meu computador está a amotinar-se contra mim...:) quando abri o blogue, hoje, havia três comentários, sendo certo que apenas consegui abrir dois, justamente os vossos. depois de lidos e de com eles me ter saciado, aceitei-os, mas, estranhamente, esta máquina do demo :) tê-los-á escondido algures nesta floresta de dizere(s). resta-me, mesmo sabendo que não estão por cá, agradecer-lhes a visita e a simpatia (recorrente) das vossas palavras.
    um beijinho para ambas!

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  9. "...os dias correm sob patas rutilantes que latejam nas têmporas do quotidiano..." Gostei imensamente dessa imagem, Jorge. Um poema e tanto, cá vou eu ruminá-lo...
    Abraços,
    Tãnia

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  10. ah, jorge! Esse subir até lá, no alto da montanha mais alta, bem onde a visão nos é mais clara,o questionamento mais profundo.
    E depois, descer com as asas debaixo do braço...isso requer pernas, meu querido, e das fortes.
    pendura as asas no varal, para que sequem e se espanem...já já te servem de novo.

    beijo, poeta!

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  11. finalmente parece resolvido o crash tecnológico só que agora tenho os comentários dispersos por dois posts duplicados. nunca tal me acontecera, mas, ao que vejo, todos foram generlizadamente afectados. oxalá o problema esteja definitivamente resolvido.
    um abraço a todos!

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  12. sabes, querida lara, receio, como josé gomes ferreira, fazer da poesia a máscara da realidade, tornando-a menos crua e dura do que seja. prtilho contigo este seu poderoso poema:

    "Vai-te poesia!
    Deixa-me ver friamente
    a realidade nua
    sem ninfas de iludir
    ou violinos de lua.
    Vai-te, Poesia!
    Não transformes o mundo
    descarnado e terrível
    num céu de esquecer
    com mendigos de nuvens
    famintos de estrelas
    e feridas a cheirarem a cravos
    - enquanto os outros, os de carne verdadeira,
    uivam em vão
    a sua fome de cadeias
    e de pão.
    Vai-te, Poesia!
    Deixa-me ver a vida
    exacta e intolerável
    neste planeta feito de carne humana a chorar
    onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos
    com bandeiras de lume nos olhos,
    para fabricar sonhos
    carregados de dinamite de lágrimas.
    Vai-te, Poesia!"

    José Gomes Ferreira

    um beijinho com mendigos de nuvens famintos de estrelas!

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  13. amiga cid@, este meu texto encontra eco num post teu, da autoria do jung, creio, e em que se assume que o que não enfrentarmos por nós mesmos se converte em destino. é justamente por deixar de acreditar que as forças divinas estão aí a zelar por nós (o guardador de rebanhos é tão discricionário) que decidi, qual homem do renascimento, meter mãos à obra e pernas ao caminho (as asas estão no varal a secar, como a andrea me dizia num comentário seu). não perdi a fé. perdi alguns dos seus destinatários, isso sim. um que jamais esmorece: a amizade e o carinho por pessoas como tu!
    um beijinho!

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  14. tânia, a poesia é um mundo com tantos mundos dentro de si... mesmo através dela se torna tão difícil explicar as coisas que não ela mesma ou as sensações que nos percorrem quando a escrevemos/lemos. mais: quando achamos que desvendamos um determinado território, percebemos que ele encobre dois/três outros... porfiemos, pois.
    um beijinho!

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  15. andrea, essa é das coisas mais arrepiantemente belas que alguma vez escreveram aqui. na réplica ao comentário da cid@, tive mesmo de te citar, porque, na verdade, de que servem as asas se o caminho também se faz a pé e com pernas resistentes? já abri o estendal; vou agora pousar lá as asas...
    um beijinho, querida amiga!

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  16. O poema do José Gomes Ferreira é lindíssimo! Fiquei feliz por tê-lo deixado aqui para mim.

    Grande abraço, meu caro!

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  17. larinha, sabia que gostarias. é um poemaço!
    um beijinho!

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