sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Até ao fim


Deixei de escrever…
Entrego-me ao cálice de chuva
e aceito a cinza do céu
como tela da memória
pelos pincéis do olvido

sei lá se devaneio onírico,
rasgo de artista plástico medíocre,
num sonho anterior ao sono
ou pesadelo durante a vigília…

Deixei de escrever…
Entrego-me ao ventre do Tempo
e aceito o eclipse das estrelas
como o vinho no fundo do copo
se conforma com a vindima do corpo

sei lá se a loucura do fim dos dias,
capricho de um deus menor,
um sorriso no vazio da terra
ou aplauso à resignação…

Deixei de escrever…
O derradeiro beijo
repousa sobre a secretária,
lacrado num envelope sem selo.

Na parede,
com os rostos aprisionados às mãos,
as fotos que não tirei
(porque me deixei a dormir)
entumecem a vulva insaciável da clepsidra:
as horas estão a zero
estranguladas pela água justiceira
numa morte sem lágrima,
num fim já celebrado.

Afinal,
o mundo ficará mais perto da perfeição.




Pearl Jam, The End

3 comentários:

  1. "Na parede,
    com os rostos aprisionados às mãos,
    as fotos que não tirei...
    numa morte sem lágrima,
    num fim já celebrado."

    Muitas vezes temos que morrer pra renascer e vice e versa...

    "É preciso saber voar diante dos abismos...
    É preciso fechar a porta do céu de vez enquando e se esconder da chuva...
    É preciso colher flores no deserto dos caprichos
    É preciso não ser desse mundo pra entender de solidão..."

    E hoje e sempre e sempre:

    Poetar é preciso...

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  2. Que poema... e que música...

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  3. Mais perto da perfeição encontram-se os versos, a poesia que celebra o seu fim, pois que sempre acaba num movimento infindo. Abraço.

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