quarta-feira, 23 de junho de 2010

a du(r)as penas


a minha cabeça desprende-se
da espessura do corpo.
é tão-somente trono de madeira tosca
com os braços abandonados
à montanha emudecida,
como se já não vivesse na casa sem luz
ou se esquecesse da matéria corrupta.

a minha cabeça desentende-se
da estação do corpo.
é tão-somente outono de pedreira fosca
com os bagaços arvorados
à castanha endurecida,
como se já não vingasse na terra da cruz
ou se encontrasse de maneira abrupta.

na explosão da matéria
o jardim ergue a boca
para estrelas sem céu
em busca do beijo com os lábios da rosa.

na exposição da artéria
o carmim vergue a porta
para flores sem mel
em busca do rumo com os dentes da sobra.

(Cris de Souza & Jorge Pimenta)

33 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Escrever contigo foi um prazer dadivoso, dardejante, divagante!

    " D(u)ras penas vertendo a mesma tinta."
    Matizes das origens viscerais, vorazes, vulcânicas. Pura vertigem...

    Sopro de beijos, parceiro.

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  3. a poesia faz sentido quando lida por olhos plurais, ainda que seja eminentemente um exercício individual tanto daquele que a escreve, como do que a lê (porque um e outro a vive[ra]m). quando ela acontece a duas mãos mas com uma só voz, mesmo que à distância do oceano, torna-se ainda mais especial: du(r)as penas vertendo a mesma tinta... encarnada como o sangue que lhe dá o tom!
    adorei o exercício, querida cris!
    um beijo!

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  4. Lindíssimo, amigo Jorge!
    Você e Cris, dois imensos sóis colocados lado a lado...
    Parabéns e abraços a ambos

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  5. que belo o que vocês escreveram .
    Apreciei mesmo .
    *-*


    A mente voa enquanto o corpo permanece mudo e até aparentemente sem vida. A mente caça estradas enquanto o corpo ? a pele? o rosto?
    Estão ali, estáticos... Imperceptíveis talvez por serem iguais, comuns ...

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  6. repito aqui a reverência que fiz no Trem, maravilha, enche-me os olhos,

    abraços

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  7. "...a minha cabeça desentende-se
    da estação do corpo.
    é tão-somente outono de pedreira fosca
    com os bagaços arvorados
    à castanha endurecida..."

    "...na explosão da matéria
    o jardim ergue a boca
    para estrelas sem céu
    em busca do beijo com os lábios da rosa."

    belas vozes! lindíssimo canto, Cris e Jorge!

    Jorge, obg pelas tuas palavras no meu cantinho, um sopro de emoção,amigo!...não mereço.
    Beijinho radiante! :-)

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  8. zélia amiga, a escrita a du(r)as mãos surgiu quase que por acaso. mas posso dizer-te que sucedeu com uma naturalidade incrível! já o tinha feito com a laura alberto, agora com a cris. ambas me concederam o privilégio de cruzar os olhares de dentro e de fora com elas.
    um beijinho grande!

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  9. a cabeça é o limite máximo da razoabilidade e o limite mínimo das sensações. quando a cabeça se desprende do corpo e explode nas mãos, porque o jardim olha para o céu em busca do beijo com lábios de rosa, o ser humano procura, apenas, anular a matéria e sublimar as emoções. o mais difícil é ganhar coragem para lhe acoplar a carga certa de tnt...
    um abraço, sara!

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  10. obrigado, assis! a tua palavra, para mim, é sempre registada com um apreço muito particular. um abraço!

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  11. querida amiga andy, as palavras que têm de ser enaltecidas no teu blogue são as tuas. a minha voz, ali, é apenas o eco do coração depois de se restabelecer das sensações que a leitura dos fragmentos de ti suscitam. mereces, pois... desde logo, que o verão chegue em força até ti!
    um beijo amplo!

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  12. Vcs juntos produziram uma obra de arte de fazer o corpo se desprender daqui, ficou tudo tão etéreo, tão bonito!

    Parabéns Cris e Jorge.

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  13. A cabeça que se desprende da espessura do corpo. Perda da razão, para a explosão da artéria, coração. Matéria que explode, ausência de limites, estrelas sem céu, vastidão. Um delírio, Jorge...

    bjs.

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  14. Amigo, em primeiro lugar quero te agradecer a linda frase que deixou lá no meu mosaicos: "O sonho como bússula dos nossos passos."
    Ameeeeeeiiiiiiiii!!! É tua?

    Quanto a esse "A du(r)as penas", tenho que parabenizar a você e a Cris, que como você mesmo disse, "mesmo à distância do oceano", souberam, na duração de um poema, transformar duas almas em uma só.
    Quase que eu o chamo de: olhares que se cruzam por sobre o mar...:)

    Viu como tudo por aqui contagia?...rs

    Um abraço carinhoso

    Cid@

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  15. Se não fosse informado, jamais imaginaria se tratar de um poema a quatro mãos e duas cabeças, tão perfeita é a união de imagens. Cabeça sublevada? Imagino saber o que seja isso. Não é curioso que apliquemos um pronome possessivo aos nossos corpos?

    Grande abraço, Jorge.

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  16. A junção perfeita!
    Boa!
    Beijos
    Laura

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  17. Voltei prá dizer que onde escrevi "bússula", queria escrever "bússOla"...rs
    Brasileiro tem mania de pronunciar a letra o como u, e na hora de escrever depressa, às vezes acaba se enganando.
    Ciao

    Cid@

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  18. confesso que este tipo de exercícios são tão estimulantes quanto perigosos. afinal, a escrita plural nem sempre se compagina com o intimismo poético. mas lá saiu qualquer coisa e o importante é que não desvirtue a construção poética que cada um de nós vem fazendo. julgo que isso foi conseguido.
    obrigado pelas palavras, lara-sempre-atenta!

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  19. ana, essa tua mania de fazer poesia até num simples comentário... delírio, sem dúvida, é o que escreves! brilhante! um beijo!

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  20. podes crer, cid@m, esta dinâmica dos blogues aproxima, conjuga, encontra, reencontra, agarra, prende e desprende e... tanta coisa acontece... é a palavra na sua expressão mais perfeita, quase despegada da matéria que a en-forma...
    um beijinho!
    p.s. quanto à expressão de que falas, usei-a no teu blogue como minha... agora tua! :-)

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  21. as coisas agarram-se de tal modo, marcantónio, que os possessivos se tornam inevitáveis (por mais urticária que possam suscitar, racionalmente).
    a escrita a quatro mãos é fantástica! fi-lo já com a laura, agora com a cris (no rpimeiro caso presencialmente, neste à distância). não sei se alguma vez experimentaste, mas proporciona sensações muito curiosas, em que os olhares e as sensibilidades têm forçosamente de se conjugar...
    um abraço!

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  22. laurita, lembras-te daquela noite fria de fevereiro (creio), no plano b, quando agitámos as mãos e deixámos que a verve fluísse por entre as silhuetas desenhadas nas franjas da luz baça? quando, de novo? :-)
    um abraço!

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  23. a bússola pode perder sons, até mesmo letras, mas jamais o norte para que aponta. e a bússola dos passos, essa então, jamais.
    beijinho, sempre gentil e querida (apare)cid@!

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  24. fico contente que tenhas gostado, mariana!
    um beijo!

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  25. Jorge, e eu que andava muda, fiquei repetindo esses versos, da cabeça desprendida da espessura do corpo...pensando se não era o corpo a desprender-se da minha cabeça vazia, numa rebeldia de sair por aí, a buscar a própria vida...

    lindo encontro de versos, poesia exposta como artéria aos dentes da alma

    um beijo, poeta!

    (e mais um pelo comentário lá no blog do Mercantonio :)

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  26. A confluência entre os autores deu-nos um maravilhos texto. Enquanto o corpo se desfaz de si, o cerne e a alma vão sendo polidos.

    Abraços!

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  27. Já li diversos duetos onde é possível identificar o estilo de cada poeta. Esta construção, no caminho inverso, esbanja sintonia, como bem salientou o Marcantonio. Belo exercício! Parabéns!

    Beijos

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  28. Que bela dança vocês nos proporcionaram meu caro...

    belo escrito

    Imenso abraço

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  29. andrea, no desencontro da cabeça com o corpo tantas são as vezes em que não sabemos de que lado fica o coração, o desejo, a ilusão e o sonho...
    belíssima e justa a homenagem do marcantónio à tua poessoa. tinha, obviamente de me associar a ela.
    um beijinho!

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  30. é esse o desiderato último, wilson: o polimento da alma. como torga, saibamos manejar o canivete para incrustar a essência na casca da árvore - a alma.
    um abraço!
    fiquei felicíssimo com a tua visita!

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  31. obrigado pelas palavras-estímulo,lou. vindas de ti, então, ganham uma amplitude ainda maior.
    um abraço!

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  32. foi um acaso, juan. mas confesso que é uma experiência a repetir. a cris e eu estamos a pensar já nisso :-).
    um abraço!

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