domingo, 6 de junho de 2010

trapézio

Fotografia de José Figueira


o domingo de sol comprometido
(esqueço-me sempre que é dezembro
e os candeeiros asfixiaram no petróleo).
o concerto foi cancelado
(a amália morreu).
o benfica perdeu nos penaltis
(a roda gira às avessas).
o gato fugiu
(nunca esteve verdadeiramente comigo).
o leite azedou no frigorífico
(e eu que detesto chá).
a cal desprende-se das paredes
(a cor já há muito mudou).
os ossos rangem
o sorriso adoece
e os lábios mirram
(o sangue secou em todas as orlas).

então e eu?
estrebuchando
em equilíbrio táctil
nos braços molhados do teu telhado.

42 comentários:

  1. E assim seguimos: verdadeiros equilibristas..., enquanto o dia debruça-se em sombras sobre o nosso telhado.

    Um abraço não-escorregadio,
    Lou

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  2. gostei desse cotidiano misturado às produndezas abissais que circulam nas veias, deste sangue que secou mas produz a torrente que vaza em forte correteza. viver é estar por um fio.

    abraço

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  3. Há momentos em que a vida se resume a um número, uma cena, ou uma sucessão de desafios e sobre um fio, ela é bem mais...
    Há uma luta silenciosa no viver e suas possibilidades.
    Entre o fio e o chão, o medo e a coragem, a queda e o equilíbrio e tudo parece que sempre está sobre um fio.

    Perfeito!
    Novamente a tua poesia é uma fotografia e a fotografia é uma poesia a parte.

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  4. foda mesmo é constatar que o gato nunca esteve, verdadeiramente, conosco. amalia morre todos os dias. nosso (rs) benfica perdeganhaeempata todo domingo... é do jogo.
    e do jogar.

    essas palavras e sentimentos misturados num liquidificardor deram, de suco, um belo poema.

    admiração deste seu amigo do outro lado do Atlântico,
    o roberto.

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  5. e assim seguimos, lou. cara erguida e olhar no horizonte, mesmo que o telhado acolha as sombras de um dia de sol oblíquo...
    um abraço!

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  6. viver é estar por um fio, no trapézio sem rede, sobre um poço sem água, na escarpa de um promontório sem asas... viver o quotidiano, na expectativa de que, dia após dia, o fio engrosse e se torne mais espesso do que o merecimento.
    um abraço, assis!

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  7. shakespeare dizia justamente que a vida é um permanente palco, onde os homens e os actores se confundem numa encenação ora artificial, ora vivida. o que separa os dois universos... apenas um ténue fio de água, a lámina afiada de uma faca, a ponta de carvão do lápis, a derradeira vaga de um mar encolhido, o óleo na estrada, a lágrima no olho...
    um abraço, mai!

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  8. phoda phoda, robertílimo, é o benfica perder. mas, deixa-me assegurar-te que estou muito mal habituado, pois na época que agora termina sagrou-se campeão tendo apenas perdido dois jogos :-)!
    um abraço, cruzeirista!

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  9. Vim pelo blog do Assis.
    Bonito poema, prazer passar por aqui.

    Abraço!

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  10. "Os sorrisos adoecem"

    Neste verso, a essência do poema.

    L.B.

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  11. Metáforas incríveis e criativas. Poesia de verdade. Imaginação solta, poema que escorre. Verso que flui. Sempre bom te ler!

    bjs.

    (em equilíbrio tactil)

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  12. ah, jorge, o trapézio! que exige de nós mais do que equilíbrio, mas a capacidade de saber segurar-se e de soltar-se, ambas no tempo certo...e tão difíceis

    hoje me confesso particularmente fragilizada, seguro-me com uns poucos dedos...mas coragem não seria soltar-me, mas sim fazer a força para cima, erguer-me, tomar impulso

    depois, depois se quiser então eu salto, não um escorregão, um deixar-se cair por fraqueza, mas um daqueles saltos triplos, mortais, de quem não teme a queda

    por hora, fico pensando se o gato de fato esteve

    este teu poema é belo, e teus versos caíram para dentro de mim

    (e acho que estamos com as estações trocadas, amigo, o inverno está aqui, aí te sorriem céu azul e dias mais claros:)

    um beijinho, querido poeta!

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  13. Tem dias que realmente, nada mesmo sai certo, e a vontade que dá, é retornar para a cama, dormir mais um pouco, e ao acordar novamente, quem sabe já deu tempo das coisas se organizarem de novo...do pior já ter passado...rsrs

    O bom, é que nada é para sempre: nem as alegrias e nem as tristezas. Às vezes, elas não chegam nem a ceder espaço, chegam até embaralhadas... mas é a vida... não é amigo?

    Tenha uma ótima semana, e tudo de bom prá você.

    Cid@

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  14. A vida? Antes, um universo de urgências, uma coleção de excessos, um manual com mil páginas que lemos com desdém, equilibrados sobre uma caixa de pandora para tocar a sola dos pés de algum mito sobranceiro. Depois... Pela manhã algo nos foge janela afora, o início de uma série longa de extravios. O cenário vai se desfazendo ao fundo do palco. As marcações são esquecidas, e as rubricas não mais nos socorrem, até que surge a última delas: sai. A platéia fica por mais algum tempo.

    Abraços de um desiquilibrado.

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  15. E além das desgraças todas, o laço - do abraço úmido cheirando a jasmim. E aquele gosto acre já nem sinto. É de hortelã tua porta. E o telhado-molhado, de vidro. Cuidado.

    Que beleza, meu amigo!

    Desculpe tanta distância e ausência. Teus carinhos, sempre que consigo lê-los, me aquecem a alma.

    Uma beijoca carinhosa

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  16. obrigado pela visita e pelo comentário, lara! tenho seguido alguns blogues onde marcas presença habitualmente, e de modo indelével. em certo sentido, já te conhecia :-)
    um abraço!

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  17. quando a doença se encosta aos sorrisos, o corpo e a alma já se encontram radioactivamente contaminados... o derradeiro feixe de luz: o verso!
    um beijo, lídia!

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  18. tantas são as vezes em que as mãos se (des)prendem, em equilíbrio bambo, no trapézio da vida, querida andrea. porque o gato fugiu, o leite azedou ou o benfica perdeu... parece que é inverno todo o ano e que o sol é apenas uma ténue recordação.
    no entanto, e porque ao inverno se seguem primavera e verão, luz e sol, queiramos crer que tudo se renova e renasce. dentro e fora de nós.
    um beijinho, amiga poeta!

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  19. é esse o mote, querida cid@: nada é definitivo ou derradeiro; nem o óptimo, muito menos o péssimo. o grande desafio é, justamente, termos a capacidade para efectuar essa transformação.
    um beijinho e uma óptima semana para ti também!

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  20. marcantónio, as tuas palavras têm a força de mil bátegas sobre um deserto. o equilíbrio marca as suas curvas e linhas, como se nada mais interessasse fora do esquadro da poesia. abraço, arquitecto verbal!

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  21. obrigado pelas palavras tão generosamente carinhosas, ana!
    um beijo para ti também (em absoluto equilíbrio táctil :-))!

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  22. e a manhã que continua a escorrer orvalho. é o deserto onde rompem os cedros que pousaram o veneno nos frutos vermelhos (rejeitam a entrada no verão). de costas para o mar, assisto a tudo. o sorriso encolhe a vergonha de uma pele desidratada pelo brilho do olhar que me queima a derme que ainda corre nas veias. e o sangue? algures navegando as ondas do corpo... pelo lado de fora... só... sem a companhia do gato que derramou o leite e fugiu para o teu quintal.
    um abraço, querida sylvia!

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  23. (des)equilíbrio.
    (in)quilíbrio.
    (desin)quilíbrio.
    (indes)quilíbrio.
    equilíbrio.
    ludibrio-me.
    livro-me.
    um beijo, vanessa!

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  24. Os lábios mirram por cada estrofe, e cada verso.
    gostaria de ouvir certas coisas de certas bocas,
    gostaria de beijar tantas bocas!

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  25. Equilibrio dificil esse " nos braços molhados do teu telhado"......
    Beijo poeta a norte

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  26. Isso é que eu chamo de tato apurado...

    Beijo tuas mãos.

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  27. Jorge, deixei lá uma atrasada maquete de comentário em retribuição ao seu.
    Muito agradecido pela sua visita.

    Abraço.

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  28. viva jorge!
    belo poema, gostei bastante ao ponto de curar a minha "ressaca"

    abraço

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  29. Boa note, Jorge.

    É um fado desmedido o destino da esperança: em cada derrota do benfica há um leão que ruge de razão. E o dragão?! Há um rato feliz pelo gato que foge, há uma rosa vermelha de rubor porque a Rosa a cheira, há o "abandono" de Mourão Ferreira da Amália que não morre, há a camélia perfumando o inverno, há o poeta que inventa o mundo nas palavras que inventa. Há a esperança. Há a saudade. Há o amor.

    Abraço.

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  30. olha, adorei este "ser e não ser"...
    perfeito!

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  31. grafite, agradeço-te as palavras-estimulo. aquilo que escrevemos faz tanto mais sentido quanto seja lido pelos outros e ainda mais se valorizado.
    um beijinho!

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  32. sarah, o que são os versos senão lábios estendidos no lusco-fusco do poema, fímbria do dito e do silenciado, agarrando os beijos se ganham e se perdem?...
    um beijinho!

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  33. querida magnólia, fosse o telhado de betão que o equilíbrio seria igualmente frágil... é que o telhado apenas é escorregadio porque as mãos que nele se equilibram são... de água.
    um beijinho!

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  34. cris, obrigado por teres passado por aqui.
    um abraço (com as mãos)!

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  35. marcantónio, não tenho tido muito tempo, ultimamente, para poder bloguear tanto quanto gosto e habitualmente faço, mas confesso que, assim que li este teu comentário, corri lá para o teu cantinho. deixarei um aceno-resposta, também, oportunamente.
    um abraço e um agradecimento pelas palavras preciosas!

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  36. viva, flávio! já vinha sentindo a tua falta, poeta de barcelos!
    ora aí estão palavras que guardo com uma satisfação imensa: saber que escrevi um poema-medicamento, hehehe! se o soubesse, em lugar de trapézio, tê-lo-ia intitulado de "bayer" ou mesmo "bial" :-)
    um abraço!
    p.s. devo-te uma visita com retroactivos aos teus blogues. tenho-me desleixado um pouco e... sou eu quem está a perder.

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  37. e há, também e sobretudo, o calor das tuas visitas, das tuas palavras, do teu gesto, sempre tão especiais! obrigado, jad!
    um abraço!

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  38. o que seria da poesia sem o ser e o não ser, a letra e o número, o papel e a tinta, o mapa e o tesouro, o insecto e o químico, jekyl and hide?... o que seria do homem sem a poesia? o que seria do universo (físico, genericamente, e humano, em particular) sem a dualidade dicotómica? o que seria...?
    um beijinho!

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  39. "os ossos rangem
    o sorriso adoece"
    imagens poética par aum dia sem sol e com chuva nos olhos

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