domingo, 12 de dezembro de 2010

Adiadas Dunas: Poesia à solta na Casa-Museu Nogueira da Silva

Decorreu ontem, na Casa-Museu Nogueira da Silva, em Braga, o lançamento do aguardado livro de poesia do poeta galego Francisco Mariño, pela mão da Editora Calidum.
Natural de A Corunha, Mariño é professor de Literatura Alemã na Universidade de Valladolid, mantendo uma produção na área a vários títulos notável. Adiadas Dunas é, todavia, a sua primeira incursão no domínio da produção poética.
Coube ao Mestre e amigo Henrique Barroso e a mim próprio a responsabilidade de, primeiro, e a duas mãos, escrever o prefácio para, ontem, apresentar a obra na cerimónia de lançamento.


Em Adiadas Dunas emergem um conjunto de seis partes, cada uma delas exercício de revisitação de lugares de primordialidade pessoal:
1. O lugar do reencontro com um tempo e um espaço que querem saltar as areias da ampulheta para se inscreverem, eles mesmos, no tempo e no espaço. Somos, assim, convidados a percorrer as galerias “do tempo esmorecido”, um lugar líquido, instável e refractário, onde as chuvas e as águas do mar escorrem de um passado suspenso na distância da irreversível memória – Chuvias Idas, Mares que Fuxem.
2. O lugar onde as águas do mar contornam os areais instáveis da alma, à esquina da razão, perdendo o sal na memória de um “tu” plural – Areal.
3. O lugar onde a noite, com braços frios e dedos longos, acolhe o coração no fogo-fátuo do desamparo – Noitebra.
4. O lugar da recuperação de um tempo de ausência e abandono emocionais que a memória persiste em não conjurar; é aí que as folhas outrora viçosas acabam por mirrar, definhar e adormecer, embaladas pelas mãos de Morfeu – De Wiemar.
5. O lugar do aceno demorado aos rostos que os anjos brancos ceifam e distendem num jardim onde o sol queima a saudade e a chuva rega as flores. É o tempo da homenagem àqueles que partem, mas, porque permanecem vivos na memória, jamais o fazem para longe – Arborado.
6. O lugar onde o eu poético procura libertar-se do lastro da memória e, com um brilho agitado no mar dos olhos, olha o presente e o futuro. O que não espera é que, num movimento cínico de Chronos, a linha do tempo se (con)funda, unindo, num suspiro, as mãos e o mapa sem geografia, onde tudo é apenas recordação… leve e frágil reminiscência – Envío.


Em síntese, Adiadas Dunas oferece-nos a demanda por um sentido inteiro do mundo desfraldado nas crinas das palavras, onde significante e referente, porque agarrados a um lastro comum – as emoções – possam convergir no seu sentido mais perfeito.

Restos

Quedamos nós
como sen luz e transgredidos
cheos de ollos e de voces
que xorden como maxias imposibles,
como o sangue coagulado
que se amorea, e espertamos
sen saber que fluíra algunha vez.
--------------------------------------
Unha palabra cínxenos á vida
e con nós busca o silencio.

[Francisco Mariño]

34 comentários:

  1. como o sangue coagulado
    que se amorea, e espertamos
    sen saber que fluíra algunha vez.
    ADOREI:)
    Beijo d'anjo

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  2. Caro Jorge, a tua apresentação nos inflama à leitura. Causou-me estranheza a linguagem. Galega?


    abração

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  3. Estás cercado sempre de boa poesia, hein amigo?!

    Beijo de Luz e ótima semana a vc...

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  4. toda a obra é arrebatadora, sonho.
    foi uma experiência verdadeiramente gratificante a que resultou da sua leitura.
    um beijinho!

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  5. caro assis,
    francisco mariño é galego, é professor em castela (espanha), fez formação na alemanha e publicou o livro em portugal :)
    a obra foi integralmente escrita em galego, uma língua que até ao século XIII era idêntica à falada em portugal (só o latim era escrito; o galaico-português era a língua da oralidade).
    um forte abraço!

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  6. verdade, aninha-de-luz,
    nos blogues, nas livrarias, na vida... a páginas tantas sentimos a dificuldade de respirar sem os pulmões da poesia.
    um beijinho com ternura!

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  7. Meu querido

    Estás no teu mar...no teu EU...a poesia.

    Beijinhos
    Sonhadora

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  8. Jorge,
    tua imagem está a perfeição o meio poético, e fico mensamente feliz por partilhares conosco.
    Grande beijo querido poeta.

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  9. Caríssimo, realmente o conto do Vergílio é fantástico. Quanto ao galaico-português eu o estudei na especialização e no mestrado de Letras, nas disciplinas de Literatura Portuguesa, principalmente os trovadores, Dom Diniz, as cantigas de amigo etc. Estranhou-me o Francisco utilizar a linguagem em nossos tempos para composição dos poemas. Seria assim uma espécie de anacronismo pós-moderno?

    abração

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  10. querida amiga-do-sonho,
    adoro poesia, seja na primeira pessoa (quando a escrevo), seja na terceira (quando leio o que os outros escrevem). é, por isso, para mim, gratificante falar sobre as emoções que a escrita dos outros em mim suscita. foi um pouco isso que fiz no sábado, no lançamento deste "adiadas dunas".
    um beijinho terno!

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  11. querida ingrid,
    a poesia também é partilha, verdade? o exemplo maior: o universo dos blogues.
    beijinho!

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  12. assis, amigo, poeta,
    o galaico-português é uma língua que evoluiu em dois sentidos distintos: o galego e o português. no caso da língua do noroeste da península, há ainda muitas semelhanças com o galaico-português, mas em rigor são estados evolutivos distintos, logo, duas línguas diferentes. enquanto o galego é assumido regionalmente (como sabes, o castelhano é a língua do estado), o galaico-português já só existe em documentos e textos anteriores ao século XIII.
    em síntese, "adiadas dunas" está escrito em galego - o que não significa que não haja um ou outro termo arcaico, mas os meus conhecimentos não mo permitem afirmar.
    um abração!

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  13. Jorge, a cultura se eleva e os acordes vivos prevalecem à medida em que meus olhos adentram nas linhas abordadas com tamanha presença de nobreza, na qual sempre saio mexida e admirada por deslizar nas letras, o palpar as notas que incitam-me à buscas e prostrar - reverência, refletindo mudanças precisas no palco, com tempero fundamental ao estilo de vida que vesti, que muitas vezes me rasga, pelo fato de maturidade ainda me faltar em fases.

    Desejo-te um Feliz Natal e um Ano Novo repleto de maravilhas, objetivos alcançados e visão de águia; sensibilidade à flor da pele.

    Abraços

    Priscila Cáliga

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  14. Achei bonitos os versos... e imaginei-os declamados, deve ser bem envolvente.

    Parabéns também pelo acontecimento e obg pela partilha.
    Beijinho amigo!

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  15. Deixou água em minha boca, Jorge.

    Abraço grande.

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  16. se tem pimenta no evento, é meio caminho andado pro sucesso...

    parabéns, precioso!

    beijo cristal.

    (fiquei curiosa pra ler o livro)

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  17. querida priscila,
    a tua passagem por aqui é sempre um acontecimento. a sensibilidade e o discernimento fazem ninho nas tuas palavras e no meu coração.
    tenho a certeza de que ainda haveremos de conversar antes das Festas, mas antecipo-me, já, desejando-te, igualmente, um Natal vestido de paz e serenidade, e um novo ano inteiro e pleno de realizações. quanto ao olhar: que conjugue a águia com o lince, em miradas que se estendam além e aquém-pele!
    um beijinho com amizade!

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  18. amiga andy,
    acreditas que ninguém se atreveu a declamar poesia? talvez fosse do receio de tropeçar na língua galega :). eu fi-lo durante a apresentação da obra, para ilustrar algumas leituras, mas escondi-me em pequenos versos e com pronúncia mais portuguesa que galega (hehe).
    um beijinho!

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  19. apesar de um título associado à aridez ("adiadas dunas"), crê-me, dade, que a poesia do francisco é mesmo o fio de água que percorre a mais seca e quente das areias.
    um beijo!

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  20. cris, amiga,
    só mesmo tu para um comentário como esse, hehe!
    correu bem, sim, e acredita que pensei, durante a cerimónia, em tantos amigos que, sabendo que gostam de poesia tanto ou mais do que eu, poderiam estar ali a meu lado. tu, por exemplo.
    um beijinho grande!

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  21. Ando tão mal informada! Como pude deixar de "apanhar" essa "poesia à solta", logo na minha cidade?


    PS - Apúlia é a praia. "Minha"... Só no Inverno!

    Um beijo

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  22. Olá Jorge,
    Apesar de estar longe de tudo quanto é eventos de literatura...Gostei da partilha e dos versos!

    Bjs dos Alpes

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  23. Caro amigo Jorge,

    Não li o livro, não conheço Francisco Mariño mas a tua poética apresentação e os últimos versos do poema que blogaste são entusiasmantes:

    "Unha palabra cínxenos á vida
    e con nós busca o silencio" - o mundo aberto na busca do sentido no graal da palavra. E não se pára nunca! Eterna condenação sisífica.

    Permite-me acrescentar um aspecto à tua exposição ao Assis: o galego, como o basco ou o catalão, por exemplo, são a afirmação de uma nacionalidade, digo bem, nacionalidade que se quer distinta de Castela do seu castelhano. Por isso, os autores dessas nações escrevem na língua que lhes é própria e também em castelhano. É uma questão de cidadania da língua em que falam, se fazem e são.

    Parabéns, Jorge, tens a tua matriz, és-lhe fiel e os resultados estão à vista.

    Abraço

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  24. Jorgito, meu amigo tão poeta,

    Sua dissecação poética da obra me deixou curiosa, apesar da minha ignorância em relação a língua, o galego me é estranho.
    Vendo vc envolvido,certamente, que há qualidade e beleza. O título já é bastante significativo, aliás, acho a palavra duna, de uma força atemporal.
    Sou ávida por poesia e qualquer indício dela me faz rastreá-la. Sabe disso, não? Tb tu, meu querido, que vives a perseguí-la e ela a ti.
    Bacana ter partilhado, com a gente, esse momento especial e mais,as fotos. Que bonito homem vc é.
    Parabéns pelo evento e pela postagem.
    Um grande beijo
    P.S. Sou uma apaixonada por essas máquinas que nos derrubam, mas que nos envolvem numa louca sensação de liberdade. Alguns arranhões são, verdadeiramente, inspirações poéticas, mas só os da alma. bjs redrobados.

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  25. Poxa, Jorge,
    se no livro tem tudo que você e seu Mestre e amigo colocaram com tanta beleza na apresentação, QUE MARAVILHA!
    um PARABÉNS coletivo
    abraços

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  26. olá, lídia,
    na verdade, os canais de comunicação nem sempre funcionam como deveriam. que pena estando tu por braga não o teres sabido; ainda para mais, a editora ofereceu um exemplar da obra a cada convidado :)
    a apúlia foi a minha praia até aos meus 6 aninhos de idade, altura em que os meus pais descobriram as marinhas, em esposende. daí para cá, passou a ser o meu lugar de lazer, tanto de verão como de inverno. e acredita que já fui muito feliz por essas paragens.
    um beijinho bracarense!

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  27. flor dos alpes, olá,
    fico muito feliz por saber que a leitura do post ajudou a deslindar um pouco do imenso que a obra do francisco nos oferece.
    um abraço!

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  28. amigo jad,
    sísifo é a nome, no dialecto dos deuses, que designa a condição humana. sejam quais foram as rochas que temos de carregar, a montanha sempre se ergue acima dos nossos olhos.
    absolutamente verdade a precisão da tua intervenção. não é, aliás, por acaso que para uma boa maioria dos galegos a identidade com portugal é mais vincada do que a tida com qualquer outra das regiões espanholas.
    um forte abraço!

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  29. ira, querida poeta e amiga,
    as dunas condensam, num registo de intemporalidade, duas das forças mais contrárias que a natureza nos oferece: o elemento líquido e a aridez da terra. nesta dualidade, ergue-se, não raras vezes, o conflito maior do ser humano: a água e o fogo, sendo certo que a escassez e o excesso de um e outro podem condicionar a existência - seja ela a do homem, seja ela a da poesia.
    foi, sim, um momento agradável a apresentação do livro do francisco, querida amiga. na ausência, partilhei-o com todos aqueles que sei que vivem com/da e na poesia. os meus amigos do blogue são disso exemplo maior.
    um beijinho com os cabelos agarrados ao vento na montada de duas rodas :)

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  30. o livro é muito bom, sim, vais. tê-lo apresentado foi um privilégio que não esquecerei.
    um beijinho!

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  31. Meu caro, parabens. É a cultura que rege os acordes do saber. Belissimo blogue. Eu tenho um blogue muito humilde, estou lhe convidando a visitar e se possivel seguirmos juntos por eles. Estarei grato esperando por voce lá
    Abraços de verdade

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  32. Oi Jorge!
    Saudades daqui!!!
    Pois é, estou retornando (aos poucos), e matando a saudade dos amigos.
    Te vendo aí na foto, usando um cachecol, me deu até uma invejinha boa, pois por aqui tem feito TANTO calor, que tem horas que sinto que vou derreter como um sorvete ao sol!...:)
    Amei a sua etiqueta desta quarta feira:
    "Vou ligeiro
    em pézinhos de céu
    e por chão de estrelas."
    Sabe o que me passou pela cabeça? Os pézinhos da minha neta, quando ela foge de mim por não querer tomar banho. Só avisto aquele toquinho de gente, correndo nua pela casa, e é um custo para pegá-la. Em compensação, após entrar no banho, não quer mais sair!...rs
    Beijo grande prá você.
    Com mais tempo voltarei para ler tudo o que ainda não li.
    Sua amiga,
    Cid@

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  33. caro josé,
    gratas são as tuas palavras. na primeira oportunidade visitar-te-ei com o maior gosto.
    um abraço!

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  34. querida amiga cid@,
    oh, que saudades de te reencontrar por aqui, neste espaço de partilha tão especial (refiro-me à generalidade dos blogues, obviamente). faz falta a tua serenidade, a lucidez com que desenhas os contornos da vida na janela, a sensibilidade de que dás mostras ao falares das pequenas imensas coisas, como, por exemplo, a ternura da tua neta.
    sê bem-regressada. todos te esperávamos com a maior ansiedade e saudade!
    um beijinho!

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