Pontevedra, Galiza [Espanha]
"Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente,
somos habitados por uma memória."
José Saramago [retirado de uma entrevista]
Olho-lhe as asas à distância do tempo e ainda vislumbro resquícios da cola com que lhe esculpi a ossatura. E a memória regressa aos gestos, aos espantos, aos risos por entre a farda de major alado e a calça coçada pelos pontapés na bola. Sente-se a dor a exalar daquele plástico carcomido pela espera de um regresso aos céus que um dia dele foram, assim ligeiro, quase altivo, fénix de orgulho inteiro bem acima do tempo que nos denuncia mortais. Viveu anos junto do pó, no sótão de tantas primaveras, beijos meios com a boneca preferida da minha irmã e um triciclo que suspirava por explodir desde a primeira vez que sentira os meus pés nos pedais.
Dobro os joelhos e ajusto-lhe os braços sobre aquele corpo em ferida mansa. Parecia sorrir, como todos os aviões que um dia inauguraram o ar. Ele e eu, por detrás dos buracos que prostituem débeis feixes de luz neste silêncio de loucura clara. Desejo, secretamente, que o tempo volte a unir e não a dispersar, por isso peço à mariposa que permanece sobre o orvalho das glicínias para humedecer a infância; será que ainda me cabe na algibeira?
É assim a saudade, uma linha do tamanho do olhar a incendiar todo o corpo, desde a copa até às raízes. Alguma vez o homem foi muito mais do que isso?
dilek kots, allspice, cinnamon and a kiss [from the film politiki kouzina, a touch of spice, o.s.t.]
A infância é esse período mágico do sonho, brincar com as palavras, imaginar, sair livre por aí com as asas dos sonhos sem tanto medo de errar. Almejo, como tu esse estado de graça que é ser criança! A tua prosa me embalou em diversos pensamentos, a infância, a musa (poesia), o amor, a vontade de não perder a inocência das crianças e m pouco da lucidez do tempo perdido. Escreve mais prosas que tens jeito para prosador também. :)
ResponderEliminarBeijos
texto tao maravilhoso quanto blog. Gostei muito de conhecer aqui e estou seguindo. Te convido a conhecer meu blog também.
ResponderEliminarFica com Deus!
lucianamira.blogspot.com
O texto nos leva uma reflexão sobre a vida e o tempo, as pessoas e a saudade.Parabéns por tão bela postagem.
ResponderEliminarJorge que texto mais lindo! Ele me remeteu à infância e aos sonhos tão simples, às fantasias que davam asas a tudo, e esse tudo podia voar na imaginação. Saudade do tempo passado, do tempo vivido, do tempo sonhado. Não somos muito mais que memórias por certo...
ResponderEliminarLindo demais!
Beijokas doces meu amigo.
Muito verdadeiro, Jorge. Seres humanos são assim, nostálgicos da infância, dos brinquedos, sempre habitados pela saudade. E que imagens lindas!
ResponderEliminarBeijo pra você.
o mergulho e o sussurro
ResponderEliminarde dentro para além
do peito e da memória
...
forte abraço,
grande poeta
e amigo.
Jorge, querido amigo de todo o mar!
ResponderEliminarMaravilhoso! Divino!
Harmonia de texto, foto e escolha de vídeo!!!
...
As memórias da infância, e outras tantas, são como músculos que sustentam frágeis ossos.
Seguram, erguem e constituem nosso Corpo/História.
A Memória é esta foto sua, um instantâneo aprisionado, oportuno invólucro de pensamentos.
E a Saudade é o campanário colocado a emoldurar as pombas, intencional ou não, exatamente no ponto fotográfico onde nossos olhos mais prestam atenção (ao contrário do que muitos pensam, tal ponto ser exatamente ao centro).
A Saudade é atemporal, o fim de uma parábola, traçada como um arco-iris até o ponto "fim", onde imaginamos ali ter um pote de ouro.
Embrião em transformação.
A Memória é nossa convidada; a Saudade, velha anfitriã.
Memória de poemas intensos, tão bem-escritos, cujas palavras parecem ser escolhidas como raras iguarias, me faz retorna aqui, tantas e tantas vezes...
No entanto, querido amigo, sinto saudades do que ainda vais escrever.
Grande beijo.
PS.: Maravilhoso, Jorge!
Como é bom ter lembranças e saudade de dias que se passaram e pessoas que conhecemos! Lindo seu texto, ele nos faz pensar em várias coisas, isso é que gosto em vc! Parabens portuga!
ResponderEliminarA infância sempre nos cabe na algibeira, Jorge!
ResponderEliminarE digo mais: ela faz la sua morada, para poder estar sempre à mão.
Ontem mesmo, comentava no blog de uma amiga, que, como só tive filhos homens, somente hoje em dia tenho novamente o imenso prazer de brincar de bonecas com a minha neta.
Há realmente um fio que nos prende aos tempos em que éramos tão felizes e despreocupados (e não sabíamos!), e que nunca se rompe.
Amei a frase do Saramago!
Amigo, te desejo um lindo e feliz setembro.
PAZ & LUZ!
Beijo :)
Cid@
Jorge alado,
ResponderEliminarnessa do tempo passar, me aflige ver seu rastro envelhecer à medida que seu passo acelera... e cada vez mais o passo acelera e o rastro envelhece... e a oportunidade de trilhá-lo em todo seu vigor vai se perdendo. Daí essa saudade e insatisfação quilométricas!
Beijinho melancólico, poeta amigo!
O que seria de nós sem as lembranças, sem a capacidade de sonhar e desejar viver de fato coisas bonitas e assim acumular mais lembranças e sentir que somos abraçados por elas, não?
ResponderEliminarLindo texto.
Um beijo, Jorge.
Trilhamos uma história única e irrepetível. Em cada célula há muito para além da memória genética.
ResponderEliminarsinto que somos feitos de saudade...
"Desejo, secretamente, que o tempo volte a unir e não a dispersar, por isso peço à mariposa que permanece sobre o orvalho das glicínias para humedecer a infância; será que ainda me cabe na algibeira?"
belíssimo amigo!
p.s. a fotografia está simplesmente linda de voar!
E o vídeo tocou-me muito. Tenho de ver este filme!
Beijinho
saudades!
Pois gosto mais ainda da tua prosa, talvez porque seja um estilo com o qual me entendo melhor. Que lindo, Jorge, e quanto me enterneceu. Quantas saudades sinto também do meus dias de menina. Meus sonhos se passavam em cima de um cavalo que teve a mesma importância do teu avião. Galopando nele vivi todas as aventuras, desbravei mundos e seus satélites e fui imensamente feliz. E ainda levo em minha algibeira muita fantasia. Talvez por isso escreva.
ResponderEliminarAh, Jorge, escreva mais. Que delícia ler tua prosa.
Beijokas.
A vida as vezes nos apara as asas, mas elas se recompoõe...e voamos , mesmo que usando as asas da imaginação.
ResponderEliminarBjos achocolatados
olá querido!
ResponderEliminaratravés do seu texto me transpus
para uma fase intensa e marcante
em minha vida,fez-me ver coisas
que antes não conseguia por causa
da aflição "jovial".
post maravilhoso!
um abração!
A infância sempre estará dentro de nós, Jorge.
ResponderEliminarBasta sermos sábios o suficiente para não nos esquecermos dela.
Abraço.
...você me fez voltar num tempo
ResponderEliminarem que a menina queria ser moça,
e hoje adoraria voltar a ser
menina.
oh vida cruel!!!
rsrs
bj imenso, poeta amado!
Estas tuas viagens são mesmo assim... há mais do que dois tipos de viajantes e muitíssimos sabores; há mais do que o viajante que olha pro mapa, há mais do que o viajante que olha pro espelho, há o viajante que olha pra dentro, como neste teu intervalo de viagem, tão contundente e tão belo, querido Jorge. Tua geografia, aqui, tira-nos os pés do chão e alça-nos em voo pleno, num convite irresistível ao voo partilhado, suavizando os sabores da memória ao alcance das mãos, nesta mistura de ingredientes essenciais, num molho no ar. Neste lugar há um não-lugar, temperos apurados por ligações expressivas de elementos sensíveis, que tornam a receita sem mistura, pura, completa, das raízes à expansão do universo; aqui "as almas se abrem como mexilhões a vapor", num tempero de vida, no espaço do terminadouro do astrônomo.
ResponderEliminarE pelos sorrisos, pelos pés nos pedais, para este menino que se nega a tornar-se uma pessoa de uniforme, a verdade da linha: "Lembre-se de contar histórias de coisas que os outros não podem ver" e sinta-se abraçado.
... e "entre o principio e o precipício do mundo", os pássaros voam... pela "memória que nos habita"! que imagem fabulosa!
ResponderEliminar"E a memória regressa aos gestos, aos espantos, aos risos por entre a farda de major alado e a calça coçada pelos pontapés na bola", acordada que foi a criança que em nós habita.
e foi assim com esse jeito alegre e brincalhão que um dia te assaltei um bolso onde fiz morada para uma viagem ao fascinante mundo de ti. e sim o teu bolso é enorme.
nunca o tempo, nem o vento terão força para te desunir dessa criança, linda, dentro de ti.
que grito maravilhoso, encanto de amigo.
beijo meu.
Jorge, foi agradável abrir as gavetas e baús nesse fim de inverno e inicio de primavera. (Re) descobrir esse contorno saudosista, que já fora tão presente em mim. Vê-lo com novos olhos, outras estações. Hoje, mais manso, leve.
ResponderEliminarMeu querido Poeta
ResponderEliminarChorei...não me perguntes porquê...as lágrimas têm tantos caminhos...tantos motivos e sensações...de alegria e tristesa...de dor e nostalgia
No teu texto senti-me criança de cabelos ao vento a correr na minha planície no meio das papoilas... solta e leve...num voo sem tempo nem destino...num sonho azul...vestida de Agosto...sonharia enquanto te li?
O sentimento e as sensações ao passar o olhar pelas palavras não se conseguem explicar...sente-se apenas...cada pessoa de maneira diferente e por vezes sem ter a ver com o texto...será loucura de quase poeta...não me perguntes...não sei.
O que sei é que adorei ler-te em prosa e deixo o meu beijinho com carinho.
Rosa
Amigo Além Mar..
ResponderEliminarAndo com sintomas de saudade estes dias e esta sua postagem teve todo um significado pra mim.
Não sei dizer o que gostei mais..se foi da imagem, se foi do seu belo poema que sinto saiu da sua alma ou se foi o vídeo.
Posso dizer que este conjunto me levou as lágrimas..
Taí a missão dos poetas, tocar o coração das pessoas.
ps. A Elisa, http://pintandohaikai.blogspot.com/, mandou-te um recado: que não está conseguindo postar comentários em seu blog. Dai a sua ausência.
Uma lindo final de semana pra Ti!
essa saudade que nos incendeia as asas, há que renascer mesmo que não soprem as cinzas
ResponderEliminarabraço
Seu texto me faz voltar à outro tempo e lugar. Voando num avião de papel e olhando a vida de uma maneira tão diferente… Tempo cheio de doces lembranças que agora guardo como um valioso tesouro, a infância é tempo também de acumular momentos felizes.
ResponderEliminarObrigado pela sua visita, me alegrou muito. Você é certo, a melancolia pode ser um ponte que aproxima os homens. Seja sempre bem-vindo.
Um abraço.
O homem
ResponderEliminarNunca foi mais do que isso...
E a melancolia nos aproxima...
Maria Luísa
p.s. escrevo poesia
Joreg, meu querido amigo, grande poeta!
ResponderEliminarAh, o espírito, esse baú repleto de pessoas coisas e fatos, que são, na verdade, a argila com que se molda nossa vida...
Tão lindo o seu texto, que chega-me um calafrio a subir pela espinha , indo terminar nos olhos, que se fazem chafariz de lágrimas...
Beijos saudoso, Jorge!!!
Tam como eu...corres para o passado à procura dos restos da infância...
ResponderEliminarEu? Eu encontro ruinas de sonhos que foram...e já não são!
Esero que encontres tudo o que procures e que tragas o passado "roubado na algibeira" - Àlvaro de Campos.
BJ
BShell
Em algum momento do texto, uu lembrou-me de um poema de Fernando Pessoa chamado o Infante. Acredito que tenha sido cantado por Dulce Pontes...
ResponderEliminarLindas as imagens fotográficas e gráfica. Perfeito delineio.
Obs: Publiquei um texto no Cronutopia e dediquei a ti (vide rodapé), como forma de tentar retribuir o prazer encontrado em vir aqui te ler nestas belas viagens de luzes e sombras.
Abração, amigo!!!
Boa noite, amigo Jorge.Que lindo o seu texto, que profundidade colocas nele, a ponto de nos deixar encantados com uma grandiosidade puramente simples e mágica, por vezes enigmática se olharmos sob um outro ponto de vista!
ResponderEliminarUm beijo grande, e excelente domingo!
Sempre me pasmo, diante da complexidade dos seus escritos, fazer de algo tão singelo, uma tela de palavras. Você tem uma sensibilidade encantadora!
ResponderEliminarestava com saudades de te ler... a minha admiração vai do título à interrogação final.
ResponderEliminarbeijo cris-tal, poeta precioso!
Somos nada além de um amontoado de memórias. De tudo que vivemos e guardamos, do que pensamos ter esquecido, do que queríamos esquecer e do que queremos eternizar. Mas a vida é efêmera. E "é assim a saudade, uma linha do tamanho do olhar a incendiar todo o corpo, desde a copa até às raízes." (perfeita essa frase).
ResponderEliminargrande abraço, meu amigo!
Incrível como tem lembranças que permanecem em nós mais vivas do que o segundo anterior...
ResponderEliminarIncrível também ver o efeito que essas lembranças têm sobre nós, mesmo depois de bastante tempo.
Como sempre, belíssimo texto! ;)
Deu o que refletir!
Ótima semana, beijo!
Sempre retorno...Aqui mora a inspiração, então venho levar comigo particulas dela.Bjos achocolatados
ResponderEliminarO tempo passa, a melancolia chega em dias cinza chuva, a saudade renasce espaços adormecidos em nós, mas é bom, muito bom deixarmos-nos levar pelo sentir.
ResponderEliminarTão bom voltar de férias e ler-te de novo.
Um beijinho querido amigo.
oa.s
Olá amigo Jorge!
ResponderEliminarDepois de uma temporada de trabalho com na realizações de festas, cá estou eu já com menos trabalho e com mais disponibilidade para o que gosto que são os meus blogues e seguidores.
Gostei deste poema, muito harmonioso, vc escreve super-bem. Como sempre lindissimo!
Um abraço saudoso.
Olá querido poeta, somos a memória de um tempo passado, com a agravante de sermos o esquecimento no tempo presente. Bebi as tuas palavras algumas que para mim foram amargas...a meninice...a adolescência...quem dera esquecer...Lindo como sempre. Beijos com carinho
ResponderEliminarSeu aviãozinho o levou ao passado e o trouxeste ao presente, acompanhado da saudade. Somos isso mesmo, memórias. Uma riqueza, mesmo quando nos tornam melancólicos.
ResponderEliminarBjs.
Nunca li uma cor mais linda que essa: laranja-menina. Coisas que só aprendo vindo aqui. Tanto quanto essa sua linha do tamanho do olhar a incendiar todo o corpo.
ResponderEliminarSaudades, Jorge!
Beijos.
Não tenho resposta, mas tenho certezas: a vida é essa coisa engraçada, cheia de composições que fazem de nós o que somos. Então talvez amanhã o homem seja mais, mas hoje, somos apenas isso e não há lamentações porque os dias de ontem estão por lá para nos oferecer afago.
ResponderEliminarbacio