E tudo porque, como o mar sacia a fome de peixe ou a sede de aventura, é também o mar que sacia a voz, sempre seca e sedenta de canto, de verso, de poesia, num movimento que tem tanto de sensorial como de verbal.
Em Circum-viagem, fui Neptuno, Jasão e Ulisses; em Viagensdeluzesombra pretendo, apenas, ser Jorge, alguém que, com o olhar sobre o sal imenso que cruza, aproximando horizontes, rostos e vozes, sabe que tão importante como ir é regressar. Qualquer que seja a viagem, ela apenas se cumpre no dia em que voltemos ao ponto de partida, renovados, reforçados, transformados, mas guardando, na essência, aquilo que nos conduziu ao molhe de embarque, numa qualquer manhã brumosa ou soalheira, e nos compeliu a ser embarcação, feita canto e homem.
Nesta viagem, espero voltar a cruzar-me com outras embarcações, com diferentes marinheiros e desconhecidas marés, com gente que passa e gente que fica; acredito poder voltar a tocar vozes, mãos, rostos e emoções, conhecidas ou meramente desveladas pela sede incessante de viajar para ser.
Viagensdeluzesombra iniciam um novo ciclo; não sei se é um recomeço, se uma renovação, se uma continuidade, se, apenas e só, o cumprimento de um desejo: o de não morrer para a escrita e para o mundo... Sei bem como a tinta sobre a superfície branca pode resgatar e redimir; sei também que pode, qual lâmina afiada, esquartejar o verso e a mão que o anima... (oh, se eu não o sei...). Mas, mesmo sabendo como Ti João das Almas, personagem de Bernardo Santareno em O Lugre, tinha razão ("o mar tomou conta dele, queimou-lhe as tripas com o sal, dobrou-o todo, encheu-lhe a alma de ventos ruins... fez dele isto, um bocado de desperdício sujo..."), que há-de fazer aquele que se desnuda através da palavra líquida, senão alçar a voz para que o fogo verbal não arda dentro de si, se agarre às artérias e, jorrando golfadas de fel, lhe consuma o coração, numa batalha desigual e injusta... Hoje, mais que nunca, percebo que nunca se escreve para si mesmo. Ouvi-o dos diferentes mestres e das muitas cartas-de-marear que fui consultando ao longo da viagem ("Malvado, que hás-de dar cabo de mim! Tantas me hás-de fazer... Maroto! Meter-se pelo mar dentro, sozinho! Se não dão conta, morrias-me ali afogadinho, ladrão!... - in "O Mar", de Miguel Torga); aprendi-o quando, como o Silvino de Torga, quase dava corpo às palavras de Mariana na mesma obra: "É o mar que os cria, e é o mar que os leva...".
Assumo, de novo o mar; abro os braços, como outrora, para os horizontes que esconde; encho os pulmões e inundo o corpo de maresia. Ainda assim, jamais sozinho. Quem sabe assim o sol volte a acender as velas da nau poética e existencial...
Viagensdeluzesombra iniciam um novo ciclo; não sei se é um recomeço, se uma renovação, se uma continuidade, se, apenas e só, o cumprimento de um desejo: o de não morrer para a escrita e para o mundo... Sei bem como a tinta sobre a superfície branca pode resgatar e redimir; sei também que pode, qual lâmina afiada, esquartejar o verso e a mão que o anima... (oh, se eu não o sei...). Mas, mesmo sabendo como Ti João das Almas, personagem de Bernardo Santareno em O Lugre, tinha razão ("o mar tomou conta dele, queimou-lhe as tripas com o sal, dobrou-o todo, encheu-lhe a alma de ventos ruins... fez dele isto, um bocado de desperdício sujo..."), que há-de fazer aquele que se desnuda através da palavra líquida, senão alçar a voz para que o fogo verbal não arda dentro de si, se agarre às artérias e, jorrando golfadas de fel, lhe consuma o coração, numa batalha desigual e injusta... Hoje, mais que nunca, percebo que nunca se escreve para si mesmo. Ouvi-o dos diferentes mestres e das muitas cartas-de-marear que fui consultando ao longo da viagem ("Malvado, que hás-de dar cabo de mim! Tantas me hás-de fazer... Maroto! Meter-se pelo mar dentro, sozinho! Se não dão conta, morrias-me ali afogadinho, ladrão!... - in "O Mar", de Miguel Torga); aprendi-o quando, como o Silvino de Torga, quase dava corpo às palavras de Mariana na mesma obra: "É o mar que os cria, e é o mar que os leva...".
Assumo, de novo o mar; abro os braços, como outrora, para os horizontes que esconde; encho os pulmões e inundo o corpo de maresia. Ainda assim, jamais sozinho. Quem sabe assim o sol volte a acender as velas da nau poética e existencial...
Foto de Márcia Magalhães
"Viajo para escrever
Escrevo para recordar
Recordo para sonhar
Sonho para não deixar de viver..."
Escrevo para recordar
Recordo para sonhar
Sonho para não deixar de viver..."
Estava de volta do meu luar e talvez a maresia tenha chegado até aqui...porque encontrei o teu regresso! :)
ResponderEliminar"Só por costume social deveremos desjar a alguém que seja feliz; às vezes por aquela piedade da fraqueza que leva a tomar crianças ao colo; só se deve desejar a alguém que se cumpra: e o cumprir-se inclui a desgraça e a sua superação." Agostinho da Silva
ResponderEliminarP.S.: Foi assaltada por ums sensação de deja vu. Porque será???
PS.2: Boa viagem, amigo!
"Pois que para chegar tens que partir
ResponderEliminarPara esquecer, tens que recordar
Para acordar, tens que sonhar
Para renascer, tens que morrer...
Pois que, para o coração de um poeta
Os versos são a nau de viagens de luz e sombra..."
Que teu regresso seja iluminado de ousadia, coragem, desejo...e que o mar dessa imagem lhe inspire a navegar por horizontes possíveis, ainda que pareçam distantes...
Um beijo amigo Jorge, felizes os que tem fé como eu, que jamais deixaram de acreditar que o sol voltaria a brilhar sob as velas...
Márcia
Fico feliz pelo regresso ainda que só o diga dois dias depois...
ResponderEliminarSombra
Falas por mim quando dizes:
ResponderEliminar"Nesta viagem, espero voltar a cruzar-me com outras embarcações, com diferentes marinheiros e desconhecidas marés, com gente que passa e gente que fica; acredito poder voltar a tocar vozes, mãos, rostos e emoções, conhecidas ou meramente desveladas pela sede incessante de viajar para ser."
No mar da poesia,
mais que marinheiro,
quero ser maresia...
Para ti, Alado poeta:
Há vozes semelhantes a mares "nunca dantes navegados"...
Há velas sem navios que singram essas vozes em busca de horizontes nunca dantes vislumbrados...
Há Sombra que parte ao encontro da Luz...
E há Luz que regressa por saudade da Sombra...
Teu regresso me emocionou imensamente...
Beijo de Luz!
Esse espaço começou muito bem! Querendo devolver ao mar o que é do mar :). és poeta grande
ResponderEliminarbeijos