Descem os primeiros passageiros. De ombros encurvados sob a chuva monótona,
trazem sacos e maletas de mão, e têm o ar perdido de quem viveu a viagem como
um sonho de imagens fluidas, entre mar e céu, o metrónomo da proa a subir e a
descer, o balanço da vaga, o horizonte hipnótico.
José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis
fotografia de jorge pimenta
nenhum de
nós sabe o cheiro da terra
ou quantas
mortes baloiçam nos pingos de chuva
deste junho febril
a dizer versos
avulsos
sem rima,
rumo ou direção.
adormecemos no
tempo que lava as cores
na respiração
artificial da memória,
esse magnetismo
de descaminhos.
do outro
lado da morte
o eterno aroma-menino
das palavras
um ou outro
poema
e tantas
caudas de cometa
a cair sobre
os nossos telhados;
quisemos fugir
dos estilhaços cósmicos
tentámos
evitar a trajetória descendente
mas o tempo
ensina a loucura
e suspende a
gordura da pele,
que, já seca,
é apenas isco
no anzol.
amanhã é julho,
e os dias serão escrita sem idade
ou mesmo morte fingida –
dissemos.
tarde demais:
o julho
aquece
mas nem toda
a chuva adivinha a rota das nuvens:
caberá o
coração na bola de papel de um calendário?
carter burwell,
medieval waters [banda Sonora de em bruges, 2008]
também ando às voltas com ela mas e quando ela chegar saberemos o que fazer?
ResponderEliminarbeijo
a fotografia está perfeita, o arame farpado, o invisível arame farpado que nos impede de sair desta prisão sem celas, sem grades
ResponderEliminarbeijo
tanta coisa que nos cabe e não cabe na rota desavisada das nuvens ou nas efemérides, a rota é um roto desassossego de presságios,
ResponderEliminarabraço
Adorei Jorge! Puxa... Adorei. É isso...rsrs
ResponderEliminarBeijo e abraço
É um tempo atípico, um tempo sem viço...
ResponderEliminarAdorei o teu poema.
Levo este versos para enganar os enganos:
"adormecemos no tempo que lava as cores
na respiração artificial da memória,
esse magnetismo de descaminhos"
Obrigada!
MUITO BONITO, JORGE!
ResponderEliminarEmbora o adormecer seja fuga, pode ser rota de passagem.
Beijo, poeta!
Mirze
já disse que o tempo é asa de poesia... usando-a ele nos escapa,inclusive seu fim!!
ResponderEliminarBeijinho,meu amigo mágico!!
Boa noite
ResponderEliminarGostava de te convidar a responder a uma questão que está no blogue Atmosfera dos livros. Acho que a ideia é interessante daí estar a convidar para a participação de todos os bibliófilos.
Desde já grata pela atenção dispensada.Ficarei a aguardar a tua participação
Boas leituras!
Difícil comentar esse poema. Já estive aqui diversas vezes. Li. Reli. E ainda não desamassei meu coração atingido pelas suas letras. Vou precisar de um tempo para que a racionalidade das letra me explique a das imagens que elas escondem.
ResponderEliminarbeijoss, Jorge :)
OI JORGE!
ResponderEliminarUMA FUGA DA REALIDADE, IMPEDIDA POR UM ARAME FARPADO IMAGINÁRIO...
ABRÇS
zilanicelia.blogspot.com.br/
Click AQUI
Oi Jorge,
ResponderEliminarTudo bem? Com Saramago, sua imagem e sua poesia, o meu descaminho vira caminho. O tempo passa, ensina e esquece, sempre.
Beijos.
Lu
Querido, não nessa mesma ordem, mas são inevitáveis a trajetória descendente, a loucura e os versos avulsos. Enquanto outubro não vem...Aquecemo-nos! Beijos cheios de poesia.
ResponderEliminarAdri
Oi Jorge,
ResponderEliminarSomos joguetes nesse tempo torto de vidas e mortes, chuvas e sol. E se amanhã é julho, somos grãos de areia para possuirmos o domínio do equilíbrio, junto aos delírios impetuosos e alarmantes dos dias corridos. Será sempre uma incerteza concernente ao dia vindouro. Ficamos, então, a sua mercê.
Beijos e bom final de semana,
Oi Jorge
ResponderEliminarSeu poema soa como a previsão do tempo_ temperatura em declínio, aproxima-se um furacão ...rs
e quem se arrisca a perguntar o que o futuro reserva? prefiro pendurar-me nas 'caudas de cometas' camuflando o tempo , esticando-o não com arames mas com laços de ternura.
Obrigada por presentear-nos sempre com tão lindas palavras permitindo-nos um devaneio nesse junho que se apresenta chuvoso com ventos a mil por hora rs
Abraços Jorge, Muitos abraços.
Sempre lindo!
Do outro lado da morte há outras mortes de mais lados e o tempo. Um tempo que, para poucos, não crava suas unhas em memórias, mas há os muitos que deixam-se fisgar por suas iscas, sua artimanha que encarcera coração e memória.
ResponderEliminarAqui, Julho esfria e eu forjo a rota do sol de fevereiro, apenas porque gosto de morrer no inferno e sambando.
Desculpa, Jorgito, mas viajei no teu poema e fui sem calendário. Estes versos atiçam as asas. Você, meu querido, é poeta muito além de todos os adjetivos
bj imenso, meu amigo do coração
Jorge, querido PoetAmigo!
ResponderEliminarLembrei-me imediatamente ao sentir este teu poema, de parte da música "Causa y efecto" de Jorge Drexler:
"Estaba dejándome estar
oyendo el tiempo caer en los relojes de arena
Mirando un instante partir...
y otro llegar...
(...)
La vida cabe en un clic
en un abrir y cerrar
en cualquier copo de avena
Se trata de distinguir
lo que vale de lo que no vale la pena"
Penso na brevidade da vida como um desafio, o de, como diz essa letra "distinguir o que vale e o que não vale a pena".
Eis a questão: o como deixar que as intempéries interfiram o menos possível no ritmo de nossa alma; e fazer com que nossa alma é que defina as estações, a meteorologia de nossa própria existência?
No momento que a vida, além de breve sempre parece contradizer todas previsões, em dia de sol e faz chuva; em dia frio e lá está o calor para tirarmos o casaco do nosso tempo.
Pois creio que aí está o grande atrativo, o que nos instiga e permite simplesmente viver: distinguir o que vale e o que não vale a pena. O demais é apenas continuação, para quem não acredita no fim, como eu.
Beijos muitos!
Jorginho meu amigo poeta!
ResponderEliminarViajei nesse poema, como viajam as nuvens que trazem as chuvas... Sem rumo e espalhando-se em casa linha... Admirando esse tour de palavras e sentimentos que você talentosamente plantou pelo poema todo!
Parbens!
Incertezas de um tempo, de um corpo, de uma estação que nem sempre é passageira.
ResponderEliminarBeijo, poeta!
Grande amigo Jorge,
ResponderEliminarNeste Universo vital gerido pelo Caos, as intempéries são de difícil previsão por nós, mera poeira cósmica.
Estejamos onde estivermos, tudo é efêmero e célere. Sejamos nós intensos e vívidos em nossos intuitos.
Poema trágico, mas com exímia dialética e logomaquia, além de sageza e beleza.
Aqui, mais uma vez, amigo, foste notável.
Abraços e ótimo fim de semana para ti e família.
Jorge querido a vida segue. Certos momentos nem o tempo apaga, mesmo que haja arames farpados!
ResponderEliminarBeijos, ótimo final de semana a vc.
Oi Jorge
ResponderEliminarNossa, seu poema me faz lembrar os textos da Lú Santa Rita, é muito profundo, mas é lindo e maravilhoso. Adorei, ainda estou digerindo-o.
Bjos. e um ótimo domingo.
Jorginho, em junho parece que tudo outona por aqui. E isso me faz tão bem!
ResponderEliminarMe encantam demais as imagens, as tuas fotografias. E teus poemas...queria tê-los escrito, de tanto que me dizem.
Te beijo
o tempo: entra pela janela da sala observando com minudência de cirurgião as suas crias sobreviventes...e às vezes, quando a sala está adormecida, ele baila convulsivamente pela sala fora tal como uma bailarina – foi-o ou é, mas não sabe bailar!
ResponderEliminarBeijinho Poeta e bom inicio de semana
Bom dia!
ResponderEliminarEsse post está um arraso, parabéns
Que seu domingo tenha o melhor pra
deixar vc feliz..Poema encantador!
Deixo minha frase com carinho pra vc
Bjuss
Rita!!!
Lutar pelo meu direito, é o que tenho feito sempre
Mas a minha liberdade é unica!
(Rita Sperchi)
Tem algo de transcendente que me projectou para outra realidade, quiçá mais verdadeira.
ResponderEliminarUm tempo fora deste tempo.
Gostei, beijos
Jorgíssimo
ResponderEliminarSempre quero me reinventar com as farpas de suas teias. Mas o cercado não me deixa atravessar,pois não sou poeta.Sei que vivemos sem direção entre estilhaços e descaminhos. Mas os seus versos tem
rimas, tem rumos, já me sinto aquecida. É inverno aqui e o seu coração amigo cabe em mim. Vem do calendário dos teus versos. Tudo o que preciso.
Um lindo domingo
Bjs
Oi Jorge
ResponderEliminarHá cercas no infinito,não que ele as tenha, nós as temos, isto delimita e limita tudo.
Um beijo grande, cheio de admiração por esta belíssima composição de imagem, música e palavras.
puxa =)
ResponderEliminarOlá Jorge,
ResponderEliminar"...mas nem toda a chuva adivinha a rota das nuvens". Filosófico, mas profundo, assim como todo o texto.
Seu talento me impressiona.
Beijo.
Suas palavras, poéticas e belas, provocam sentimentos diversos na leitura das entrelinhas. Nada cabe o coração, e muito mais, no calendário, mas tudo permanece no espaço da memória, notadamente a finitude de belos tempos e do próprio tempo.
ResponderEliminarBjs.
Gostei muito de conhecer tuas letras.
ResponderEliminarBoa tarde, Jorge. Ah, poeta, o coração é um lugar que por vezes fica aprisionado clamando por liberdade, e é assim que ele deve ser, livre.
ResponderEliminarLivre de sentimentos nocivos, do tempo, e preso ao amor, sempre!
Saudades de ti lá no meu espaço.
Obs: antes eu tinha dificuldades maiores de vir aqui por causa do computador q travava toda hora e demorava para carregar a sua página. Agora é outro, a facilidade é maior.
Te convido a ver as postagens que você deixou de ver!
Beijos na alma, poeta lindo e talentoso!
Mergulhei em tuas palavras... E estou encantada. Parabéns.
ResponderEliminarBeijos!
A escrita da poesia encaminha em diversos tempos,a hora que chega e o mês que passa, e a rota da chuva não escolhe a hora da morte,a súrdez que muitos que não querem ver e nem ouvir.
ResponderEliminarBelas e complexas suas palavras aqui deixada.
Uma Feliz semana para você.
Bjs
Olá Jorge.Palavras que etoam a rota da chuva, a morte que vem,o cego que não enxerga e o surdo que não quer ouvir,a liberdade e no calendário que permanece em estado de nostalgia.Filsoficamente nas entrelinhas as cores são de todos e muitos não a exergam,nem a si mesmo.
ResponderEliminarBelo poema!
Bjs e uma ótima semana.Nati
que seja eterno enquanto dure e permaneça em poesia para nós teus leitores :)
ResponderEliminarbeijos
Ola Jorge Poeta!!
ResponderEliminarSua escrita sempre profunda!
Muitas vezes achamos que conduzimos a nossa vida..
mas ledo engano, basta uma brisa para nos tirar da rota!!
bjs.....
Meu querido Jorge
ResponderEliminarHá muros que nos cortam os passos...caminhos que nos ferem os pés...espinhos que se espetam na carne e fazem os poetas soltar gemidos sobre as folhas mortas da esperança e caminhar de alma nua e mãos vazias sobre as teias que nos amordaçam o gestos no tempo que nos limita o espaço.
E como sempre fico sem palavras perante o IMENSO do teu poema.
Deixo o meu beijinho com carinho e admiração
Sonhadora
Olá Jorge,
ResponderEliminarTento colocar seu blog no meu "blogroll" mas algo acontece que ele desaparece! Curto muito os seus poemas e esse foi realmente incrível, principalmente na passagem:"versos avulsos, sem rima, rumo e direção". Por vezes sinto que tais versos, são as melhores criações dos poetas!
Abraços Flávio.
--> Blog Telinha Crítica <--
Não sei se nele caberá o coração, mas sei que a grandeza das tuas palavras arrancará as folhas desse calendário e perdurará como insígnia da poesia.
ResponderEliminarBeijo com admiração
Olá Jorge, belo, sereno e nostálgico como sempre.
ResponderEliminarIncertezas num calendário onde o tempo sempre comanda a vida e o sentir. Adorei. Beijos com carinho
previsão de explosão lírica!
ResponderEliminarastro que és não foge as letras nem os cometas em meio a tantos descaminhos.
" caberá o coração na bola de papel de um calendário?"
suspeito que nem se for amassado um dos dois...
beijo, meu tão querido!
seguir e viver..
ResponderEliminarprever?.. sonhar.
mas o tal calendário nos arrasta..
sempre saudade de estar por aqui poeta querido..
beijos ..
pensei, tão tentador quanto impossível fazer do coração um compasso de espera e poder filtra-lo...amarfanhando, arrumando, esmagando tamanhos vasos densos, confusos, intrusos...ò corrente infinita!
ResponderEliminaramigo, sempre infinita a tua escrita e as músicas que nos ofereces...adorei :-)!
beijos
Vim deixar um abraço
ResponderEliminaragradecer sua presença carinhosa
Bjuss
Rita!!!
Esse calendário, que nos arrasta num tempo sem tempo, onde nos perdemos das rotas que jamais iremos conhecer. O coração, esse é grande demais para se prender ao espaço onde por vezes o obrigamos a viver.
ResponderEliminarImponentes as tuas palavras Jorge, adoro ler-te!
beijinho
cecilia
nada cabe na bola de um calendário, essa ilusória medida que insistimos em manter, como se ressignificássemos os dias e os sentires a cada novo mês...
ResponderEliminartanta, tanta, tanta saudades daqui, querido amigo...
agora vou lendo e respirando tua poesia que sempre me alimenta :)
beijo, imenso, por conta da saudade
Olá, Jorge.
ResponderEliminarPodemos até tentar controlar nossa vida, mas, muitas vezes, ela é apenas uma folha seca sendo levada de lá pra cá pelo vento inconstante.
Abraço, Jorge.
e, de repente: estonteantemente poema
ResponderEliminarA cair sobre a viagem de luz
e sombra
negrume fálico dum dia
(quem sabe se morto)
cheio de saudades dessa memória
Sem rima, rumo ou direcção.
Beijinho Poeta :)
Boa semana
Não... o coração não cabe na bola de papel de um calendário ! As cercas? Inúmeras, impostas quiçá por esse mesmo calendário.
ResponderEliminarMas crê, doce Poeta, tua escrita extrapola quer as cercas que nos são impostas, quer o timing de um calendário.
Bjnho