The sun is far away
it goes in circles
someone dies
someone lives
Ulver, Eos
Poderia ser a fotografia de um
filme de espionagem, rodado numa paisagem da alta montanha, onde o silêncio é o
manto que liga a voz do passado à do presente. A bruma despe a vertigem e
pousa, lentamente, na humidade do vale, onde um palácio de linhas clássicas se
estende ao longo de mais de 200 metros de memórias, agora estilhaçadas como as
janelas e as portas que lhe alimentam a sede de luz e cor. Em seu redor,
trilhos ferroviários, composições abandonadas, pavilhões devolutos e maquinaria
a apodrecer na humidade dos Pirenéus. Uma cidade fantasma, eis o que a gare e o
grande hotel de Canfranc são, hoje. Ainda assim, das suas paredes escorre
História, pactos secretos, negócios escuros que revolvem os bolsos de uma das
fases mais hediondas da História da humanidade: o nazismo.
Já território espanhol, paredes-meias
com a fronteira francesa, Canfranc foi, entre 1942 e 1945, sede de alguns dos
movimentos mais secretos vividos em pleno conflito mundial. Para além de ponto
estratégico para a mudança de bitola dos comboios espanhóis para os franceses,
esta gare fotografou, ainda, durante o período da II Guerra Mundial, a vida
quotidiana dos agentes secretos e militares alemães, registou ações de fuga de
judeus clandestinos para Espanha, Portugal e além-mar, e testemunhou,
inclusive, a evasão de nazis que procuravam escapar a um destino judicial certo
logo após o termo do conflito bélico.
Ao tempo, Espanha gozava de um
estatuto de pretensa parcialidade, ainda que o comprometimento com os alemães,
poucos anos antes, na Guerra Civil Espanhola, onde se posicionaram ao lado de
Franco, selando um estatuto dúbio. Foi ao ostentar essa capa de mentira que Canfranc funcionou como pivô de trocas comerciais entre
Portugal-Espanha-Alemanha-Suíça, de entre as quais quase uma centena de toneladas de ouro
nazi pilhado aos judeus que, um pouco por toda a Europa ocupada, agonizavam em
campos de concentração. A presente alegação tornou-se tão mais legítima quanto
se sabe, hoje, que foram os próprios alemães quem controlou a alfândega
internacional de Canfranc durante o período da Guerra; acrescem os documentos
encontrados por Jonathan Diaz, na gare, em 2002, entretanto divulgados, e que
reiteram a tese da rota do ouro em Canfranc: toneladas de ouro nazi chegavam a
Canfranc por comboio, provenientes da Alemanha, da Holanda e da Bélgica, com
destino a Espanha e Portugal, que ora os compravam, ora os recebiam em troca de
favores que alimentavam a máquina de guerra nazi (por exemplo, o envio espanhol
de volfrâmio extraído de minas galegas, matéria indispensável para a defesa
dos tanques alemães); daí eram dispostos em camiões que levariam a mercadoria
até Madrid e Lisboa.
Mais de 60 anos volvidos sobre o
frenesim militar, pautado pelo secretismo e glamour,
a gare e o hotel de Canfranc fecharam a boca para sempre. Já não há militares,
movimentações ferroviárias, jantares festivos
no grande hotel, ou documentos secretos guardados nas gavetas; apenas o esqueleto,
bem vivo, do que restou de toda a operação da vergonha e que os historiadores,
os caçadores de fotografias ou os mais curiosos perseguem como um tesouro a não
desperdiçar. Até porque há silêncios que dizem e os lugares, esses, respiram
bem para além da sua materialidade.
Ulver, Eos
Impactantes!
ResponderEliminarVestígios de aço e de matéria têm suas narrativas e revelam muito mais que a mecânica de suas engrenagens.
Revelam a dos homens que as faziam funcionar.
Não sei como me sentiria em um local como esse.
Talvez, me deprimisse demais até para registrar.
Beijoss :)
fotografias encantáveis, junto a uma compreensão poética histórica da cidade!
ResponderEliminarbeijos
a história para ser (re)contada, impregnada de marcas, digitais a rugir no tempo,
ResponderEliminarabraço
Excelentes fotos - que falam...
ResponderEliminarO tempo e os seus vestígio também falam, e muito.
Abraço amigo
Adoro tua narrativa... leio com direito à locução imaginada...rs! É um conhecer com prazer!
ResponderEliminarBeijinho, meu querido amigo... e mais um por tuas palavras no Transfigurações!
fotografias e letras incontestáveis que apresenta uma nova história para mim...
ResponderEliminarComo é maravilhoso aprender sempre...
Beijos meu querido...
Querido amigo Jorge,
ResponderEliminarQuanta riqueza em detalhes, se escondem nesses e por esses materiais e maquinários. Invisíveis aos olhos, mas nitidamente presentes na memória, que os fazem ainda reais junto a história vivida e/ou sentida.
Triste, para os que sentiram na pele as perdas familiares, numa (grande) guerra desumana (como todas são); curioso, para quem simplesmente herdou a história e assustador para quem sabe dela...
Lindas fotos para um contexto bastante envolvente, marcante.
Beijos.
PS.: Você está ótimo nessa foto. Gostei muito...
As marcas do tempo que falam,
ResponderEliminarcalam: ferrugem, azinhavre
e a narrativa detalhada, belíssima.
As fotos são lindíssimas, inclusa a do sorridente poeta!
Abraço, Jorge!
Esses locais, essas peças, que trazem lembranças tão terríveis, mesmo se destruídos, totalmente, permaneceriam vivos na memória. Até o solo seria capaz de chorar, recusando-se a permitir qualquer frutificação.
ResponderEliminarSua narrativa, clara e objetiva, tão bem ilustrada, dá prazer. A história entristece, porque envolve vidas perdidas...
Grande beijo!
As fotografias associadas ao texto passam a energia desses sítios.
ResponderEliminarMuito intenso
Beijinhos Jorge
o tempo meu amigo..
ResponderEliminaro tempo..
relógio inquieto que nos arrasta..
fotos e texto impecáveis..
beijos..
Jorgito, meu queridíssimo! Texto, imagens e fragmentos da história, me invadiram as veias, junto a todas as ruínas humanas e dos objetos que o tempo não consumiu.
ResponderEliminarBj imenso
Jorge, querido amigo!
ResponderEliminarBelíssima crônica traçaste aqui e emoldurada pelas tuas fotografias, muito boas, que mostram um cenário agonizante, mas ainda vivo:
um fiel testemunho da derrocada de um regime que representa uma parte negra da história da humanidade.
Sem dúvida a localização de Canfranc era bem estratégica. Fiquei imaginando esse cenário vivo, no seu apogeu e todas transações, o trem em funcionamento, o Grande Hotel a esconder as artimanhas e o oculto do regime em jantares de fino luxo, coisa que suponho tenha acontecido devido ao porte da edificação e mesmo ao estilo clássico, com seus arcos, torres e abóbodas.
Achei curioso o fato da possibilidade de Jonathan Diaz ter descoberto os documentos em 2002 na gare, pois penso nesse cenário como um lugar totalmente violado. Como não foram descobertos antes?
Por um lado, a angústia de um cenário parado no tempo; por outro, penso na inevitabilidade de que isso ocorresse, e, apesar de a vida ali estar por um fio, ainda corre ar naquelas veias, ainda cenário vivo a documentar a história.
No mínimo instigante.
Muito oportuno teu post!
Beijos!
Olá Jorge,
ResponderEliminarBela crônica e imagens marcantes.
Venho parabenizá-lo pela bela parceria com a Cissa, no "Humor em Conto". Sua participação
tornou o capítulo poético e envolvente.
Abraço.
Um tempo sombrio que a humanidade passou, sou um estudioso da 2º Guerra Mundial, tenho filmes, documentários, livros, revistas, até o "Mein Kempf", do Hitler, e até hoje, depois de décadas, ainda me surpreendo com tamanha barbárie cometida pela Alemanha nazista. E essa oportunidade de você registrar esse pedaço da história em fotos é genial, um dos meus sonhos de consumo é visitar a Europa, e fazer uma visita à Polônia, no antigo Campo de Concentração de Auschwitz, não por sadismo, mas por me solidarizar com as vítimas.
ResponderEliminarParabéns pelo post. Abração pra ti.
Oi Jorge,
ResponderEliminarQue belo registro você fez em fotografias, apresentando-nos a decadência do que já foi um dia a opulência do estorno criminoso. O homem é tão corruptível, a dor perde importância e valor diante da riqueza. Que bela aula de história acabei de ter aqui.
Obrigada! Pela crônica esclarecedora, pelas fotos maravilhosas.
Beijos
Fotografias marcantes Jorge e descrição própria dos poetas, brilhante!
ResponderEliminare 'o sol vai em círculos... ' há quem morre,há quem vive...
Bem podia ser ficção, mas não é, e vejo pelo seu olhar , as marcas do passado, indescritíveis no que tange a dor de famílias inteiras.
Uma nódoa impagável Jorge.
Belo registro , e gostei do sorrisão bonito.
Parabéns, muito carinho e abraços
Jorge, viajei nas tuas palavras, não se perde uma sílaba da tua narrativa porque nos prende em tamanhos arrepios, pela história mas também beleza com que sentes/contas...
ResponderEliminare as fotografias, tamanha preciosidade!
obrigada por este momento.
beijo grande, amigo!
Essa postagem é uma enorme lição de História, Cultura e de Vida, parabéns.
ResponderEliminarAmigo Jorge venho pedir-lhe autorização para postar esse seu texto e algumas imagens no blog da Folha Cultural Pataxó,caso autorize postarei pelo meio da semana e indicarei em meus blogs. desde já lhe agradeço.
ResponderEliminarBom dia!!
ResponderEliminarQue o domingo traga muita paz
Leio e gosto, desse Blog que
traz maravilhas alegrando o
nosso coração
Abraços com carinho
Rita!!!
As imagens são belas apesar de estar velhas
e o moço na foto é um Deus grego rsrsr
Parabéns pelo texto fantástico
bem, eu vou esquecer que este é um local sério e vou ser quem tu tão bem conheces...
ResponderEliminarMETES CÁ UM VERDETE, Ó JORGE [faz favor de ler isto com a minha pronuncia à porto, s.f.f]
nem beijos, nem abraços
raios, raios, raios, raios, raios
ResponderEliminare as fotos????
raios, raios, raios, raios, raios
agora mesmo a sério, esse lugar que nos contas e tão bem descrevem as tuas fotos deve ser qualquer coisa...
ResponderEliminarvou escrever o nome canfranc na minha lista de destinos a não perder...
das fotos, vê se descobres as que eu gosto mesmo...
beijo
Querido Jorge, transportaste-nos ao local, viajamos na história, pelas tuas palavras e imagens. Muito bom!
ResponderEliminarbeijinho
cecilia
Querido, quanta saudade desse espaço. Estou de volta mais uma vez...
ResponderEliminarLindíssimas imagens e todo o texto. Como sempre saio daqui mais evoluída.
Beijo, beijo e saudade grande de ti :).
Jorgíssimo
ResponderEliminarTodas as cidades fantasmas trazem muitas memórias. Umas que nos estilhaçam outras que nos alegram. Horrores da guerra sempre me fogem da memória. E você veio reviver com esta excelente narrativa.A viagem foi deveras interessante.Entre ferros enferrujados, ainda bem que voltaste inteiro para nos contar o feito.
Uma linda semana
bjs
Sim Jorge, há silêncios que dizem e há aqueles que são capazes de ouví-los... não é coisa pra qualquer um. É preciso sensibilidade e um olhar que vá além da matéria.
ResponderEliminarSuas imagens são lindas... nos trazem a força da história... E é quase possível ouvir seu silêncio.
Beijos
jorgíssimo,
ResponderEliminaré cada foto mais bonita que a outra. vou "samplear"...rs
saiba: o seu jeito de olhar é um jeito bonito.
cara, o cruzeiro contratou o irmão de luizão, o nosso luizão, aquele encarnado... mas alex silva se lesionou na terceira partida e não volta mais em 2012, o que é triste...
descobri, no outro dia, que o bruno carvalho, jogador do benfica é sobrinho de geraldo, "o assoviador".
geraldo era mineiro de barão de cocais, morreu novo, novo demais, 22 anos de idade, durante uma operação das amígdalas, no início dos 70.
você acha reportagens no youtubbe falando do craque que "penteava a bola"...
saudades de você.
abração do
r.
O silêncio do lugar preencha as imagens. Conheço Canfranc e há uma sansação estranha lá. O tempo, suponho, apresado entre as montanhas. Abraço forte, meu amigo.
ResponderEliminarOlá, Jorge.
ResponderEliminarBelíssimas fotos e excelente texto, parabéns.
Eu nunca havia ouvido falar desta cidade.
Gosto de lugares assim, onde as pessoas se foram, mas as ações criadas por elas ficaram para trás.
Abraço, Jorge.