Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto
[...]
ó rodas, ó engrenagem r-r-r-r-r-r eterno!
[...]
Ah, poder exprimir-me todo como uma máquina se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último modelo!
Poder ao menos penetrar-me de tudo isto...
Álvaro de Campos, Ode Triunfal
fotografia de jorge pimenta [battersea power station]
hoje há gritos que agitam as árvores,
gritos cinzentos metálicos
em rebentação.
são bocas de fumo a cuspir nevoeiro
enquanto nos portos
barcos de madeira apodrecem em águas
que deixaram de refletir as estrelas.
hoje o homem apaga a voz
enquanto as bocas urbanas
lhe rasgam os ouvidos
em penetrações lascivas
que rebentam os tímpanos e a inocência.
e os gemidos espalham-se pela cidade
cobrindo de gozo sexual
as máquinas de dedos longos sobre o peito.
fala-se baixo
mas as gargantas rangem sempre contra
fuselagens de asas negras
em colisão vírica com a lua sem pão:
camiões sem nome
estátuas de bronze
travagens sem estrada
[o pão caiu ao chão de vez]
cortadores de relva
lâminas acesas
relâmpagos a jato
[demónios incendiários lambem os homens em sevícias escuras]
comboios sanguíneos
automóveis subterrâneos
navios eléctricos
[o inferno mostra-lhes a sua cabeça]
lança-chamas
elevadores a arder
sirenes nubladas
[os grilhões amarram o homem]
o mundo das engrenagens corrupia sobre o palco
arrancando os aplausos a uma cidade
perdida no seu silêncio.
[fim do capítulo].
hoje é o dia:
o girassol menstruado
troca de mundo,
o homem castrado
permanece mudo,
e a cidade em orgia mal iluminada
assiste indiferente
às árvores que nos caem das mãos,
hoje.
* texto revisto e modificado, inédito no viagens de luz e sombra [anteriormente publicado em entre marés, de suzana martins]
fotografia de jorge pimenta [battersea power station]
david bowie, the heart's filthy lesson
hoje, o tempo muda, gira na estação que escorre atrasada dentro de mim...
ResponderEliminarLindo, lindo, lindo!!!!
Vc me encanta, meu doce amigo
[o pão caiu ao chão de vez]
ResponderEliminar[demónios incendiários lambem os homens em sevícias escuras]
[o inferno mostra-lhes a sua cabeça]
[os grilhões amarram o homem]
[fim do capítulo].
No fim da rua há árvore, mão, voz e saída.
Jorgito, queridíssimo amigo, um poema extraordinário, que rasga o homem e a cidade, até o osso.
Bj gigante, meu doce amigo
Apaixonei me perdidamente pela tua foto... Meu Deus! Até perdi os adjectivos que te trazia!
ResponderEliminarO inferno deve ser tão menos poético que esta poesia ;)
ResponderEliminarbeijos
Luiza Maciel Nogueira
Sem palavras aqui, Jorge.
ResponderEliminarIndubitavelmente, dissecasses a alma da cidade e daqueles que nela vivem.
Realmente impressionante e emudecedor.
Abraço, Jorge.
" ...o homem esmagado pela cidade" Isto escreveu casais Monteiro a propósito de Cesário Verde. E aqui, neste teu dizer citadino e inquieto sob palavras de Álvaro Campos não pude deixei de trazer "O Sentimento de Um Ocidental - Avé Marias" que espelha bem o cerne deste teu belo poema:
ResponderEliminar"Nas nossas ruas, ao noitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer."
Grata por estas leituras que nos ofereces.
no fim do caminho, uma nova trilha... a se percorrer em silêncio.
ResponderEliminarbeijinho carinhoso, meu amigo poeta querido!
Há um vermelho líquido, enorme, escorrendo pelo poema: será? Estonteantes, meu querido poeta!
ResponderEliminarBeijos,
E hoje é dia de passar sem pressa, e mais uma vez saber do quanto é bom estar aqui.
ResponderEliminarBjo, Jorginho!
Belo demais, Jorge!
ResponderEliminarForte, traz para mim a idéia da indiferença, como um foco que pensa-se normal. Mas a emoção prevalece diante de fatos, pelo menos para mim.
Beijos, poeta!
Mirze
vertigem, mergulho, e o óleo a me queimar as mãos nesta estranha maquinaria, evoé
ResponderEliminargrande abraço poeta
Poema com tom bem naturalista, meu nobre amigo poeta! Muito bem escrito, como de costume!
ResponderEliminarVocê tem bastante talento para fotografia!
Muita Paz!
parece guerra, a palavra densa,
ResponderEliminarnão vaza ar, igual olhar a fotografia desse todo.
se morre com um poema
um abs
Cidades que sugam o interior da alma, identidade perdida com a evolução.
ResponderEliminarOlá, amiguíssimo Jorge!
ResponderEliminarUm olhar poético assim, transforma qualquer fealdade em beleza, até mesmo as ruas macambúzias da selva de pedra.
Suas imagens são sempre um primor.
É pena que no fim da rua não há luz, somente penumbra.
Parabéns pela genialidade!
Abraços do amigo de além-mar e ótimo fim de semana para ti e família!
Descobri esse cantinho valioso...de palavras e foyos; parabéns!
ResponderEliminarAbração
Encarcerados na urbanidade chamamos a isso conforto. Nunca de alma!
ResponderEliminarO contorno da violência urbana que você traçou com suas letras, ficou lindo, é a parte bonita de algo muito feio: A poesia.
Grande poeta, amigo querido!
Desculpe a minha ausência, estava em viagem, me atualizarei em seus versos, agora.
Beijos!
Um poema extraordinário, com uma fotografia a condizer. Uma viagem mais na sombra que na luz, com mensagens muito profundas.
ResponderEliminarAmei,
Bjinhos
poderosíssimo post!
ResponderEliminarum profundo incêndio
beijos, amigo!
Oi meu amigo,
ResponderEliminarMuito triste, de fato, os dias cinzentos e nublados de hoje... Concordo: "o pão caiu ao chão de vez". O povo precisa de POESIAS, como as suas...
À propósito, aqui no Brasil, o Dia Nacional da Poesia, será agora, dia 14 de Março. Data em homenagem a Antônio Frederico de CASTRO ALVES, que nasceu neste dia, no ano de 1847, vindo a falecer em 1871.
Por curiosidade, algumas cidades, como Taubaté-SP, estão divulgando as poesias em praças; colocando-as, inclusive, em varais de barbantes (como bandeirinhas), para os transeuntes lerem. Uma forma de despertar a boa leitura, no coração de cada um... É o que o mundo precisa...!!
Beijos grandes,
Ana Lúcia.
Uau! Hoje, realmente, o poeta e o fotógrafo se complementaram, e na perfeição!
ResponderEliminarNão importa que a viagem esteja tão sombria, pois o seu dom, amigo Jorge, é uma luz que nunca se apaga.
Te deixo um grande abraço, e o desejo que tenhas um adorável domingo junto aos teus.
Fique bem, fique com Deus.
Cid@
Posso estar enganado, mas senti um apelo ambientalista sorrateiro no teu texto, um embate entre a nocividade do homem contra a ferocidade dos ambientes urbanos e o indefeso meio ambiente. É incrível como num texto, há diferentes interpretações, não sei o que vc pensou quando escreveu, mas depois que postou, virou domínio público, e as interpretações são infinitas.
ResponderEliminarMais uma obra prima de sua autoria, parabéns, a inspiração só aumenta com o tempo. Abração pra ti.
Enquanto lia o teus versos chegavam os sonidos de metal e gemidos urbanos que rasgam a tela duma paisagem que leva-me até um fotograma de Metropolis, com o inferno da modernidade moribunda numa dança que somente escuta os ecos da velha fábrica.
ResponderEliminarSão dois os poemas: o texto e a foto. Não pode ser duma outra forma pois o poeta também escreve com a luz, e com a música.
Abrazo forte, amigo Jorge.
ps. Vejo que o meu comentario na entrada anterior sumiu. (?)
Jorge...
ResponderEliminarO poema em completa conjunção com as imagens postada por voce.
Tempos modernos....maquinas, sons, engrenagens,
e o bicho homem a se procurar, a se perder nesta selva e a querer
sempre mais o que ele nem sabe o que....
beijos...
E assim se faz noite e dia, assim se vive ou não nas cidades.
ResponderEliminarPoema de força. A foto, excelente!
beijinhos Jorge
cvb
Há louvável inconformismo em seus versos, que mostram foco determinado para tudo que nos traz melancolia, em termos de vida. Já nem importa se observados os fatos no escuro da noite, porque são também visíveis e gritantes durante o dia.
ResponderEliminarAmei as fotos! (além do poema, claro!)
Bjs.
Homem enclausurado no inferno da cidade.
ResponderEliminarViagem vertiginosa pelas tuas palavras.
"o pão caiu ao chão de vez
demónios incendiários lambem os homens em sevícias escuras
o inferno mostra-lhes a sua cabeça
os grilhões amarram o homem
[fim do capítulo]."
Dois poemas em um ! Maravilha
Beijo carinhoso
Grato pela vista Jorge e estou aí lhe seguindo...adoro a poesia, escrevo algumas, mas não publiquei ainda, mas as fotos brotam conforme as circunstâncias de tempo e local.
ResponderEliminarAbração!
Fico a degustar cada pedacinho do seu poema e não há palavras pra traduzi-lo.
ResponderEliminarOs grilhões que nos prendem a selva de pedra das cidades corroí sentimentos e camufla a verdade dos homens.
Precisa-se sempre de bons poetas pra aliviar nossos sentidos e faze-los vir a luz.
abraços Jorge abraços
Mas que grande poema, ligeiramente sombrio, mas algumas vezes as sombras concedem um toque especial.
ResponderEliminarGostei muito do trocadilho, de inserir um poema dentro de outro, de forma tão subtil.
Beijinhos
Olá amigo, um poema que é um autêntico inferno do sentir...fim do capitulo...por fim anoitece e as estrelas cadentes desceram, para te acalmar, mesmo com a cidade tão indiferente. Adorei. Beijos com carinho
ResponderEliminarO homem é a fera urbana, enjaulado pelas convenções, pelas necessidades de sobrevivência, pela neurose do medo, pelo medo real. O dia se reveste do tenebroso, do sombrio, da falta de esperança no futuro...
ResponderEliminarO clamor da vida livre e ecológica em contraste com a opressão urbana que se transforma num verdadeiro inferno, e a sua poluição que gera esse caos. Ar venenoso, poluição sonoro, aglomerado humano, motim... Eu senti fobia nas tuas entrelinhas, e ouvi o grito urgente, agonizante do nosso planeta.
Beijokas doces e espero não ter dito muita bobagem (hehehehehehehe)
Meu querido Poeta
ResponderEliminarSenti neste poema uma armadura de aço que prende as mãos... que amordaça os gestos numa estrada de silêncio onde não nos encontramos...no árido labirinto que percorremos no vazio inabitável de lugar nenhum.
Como sempre é muito difícil comentar o que apenas se deve sentir.
Um beijinho com carinho e admiração
Sonhadora
as cidades dos homens, as ruas dos homens, as máquinas dos homens, as engrenagens a esmagar o humano e o homem, castrado, permanece mudo ante o girassol menstruado que trocou de mundo. a quem pertence o mundo?
ResponderEliminarfantástico, poeta (e mais uma belíssima foto)
grande abraço!
Jorge, querido PoetAmigo e Fotógrafo-amigo!
ResponderEliminarQue bom seria se nos fizéssemos automóvel último modelo, bicombustível, com tração nas quatro rodas para aguentarmos todo tipo de terreno, e saíssemos sem destino certo pela rota, explorando o explorável, amando o amável, fazendo o caminho, nos fazendo nossa própria combustão no domínio da partida, aceleração e freada.
Mas quando o verbo 'ser' conjuga-se apenas nas engrenagens da máquina,o homem é mero cumpridor de tarefas: competência, rendimento, competição, produção, ão-ão...
O fim da rua é eminente, e a vida
pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-raaaaaaa.
Belíssimo post: Poesia, fotos e David Bowie, não conseguiria imaginar melhor!
Beijão
PS.: Essas inserções que fizestes no Poema... estão divinas!
Hoje chove de cima pra baixo e a terra corrompe o céu.
ResponderEliminarBelíssimo poema, Jorge.
Chuva de palavras quase que a arranhar a pele como se de pedra fossem.
E quem nunca atirou uma pedra que se manifeste e quem nunca foi apedrejado também :)
Você tem muito talento!
beijoss :
Adoreeeeeiiii! Logo depois que li só consegui pensar no quanto a tecnologia nos emburrece e nos empobrece.
ResponderEliminarNão, não sou contra a evolução tecnológica... só acho que tudo que chega de forma exagerada nos causa grandes problemas. Acho que o homem não sabe lidar muito com isso tudo!
bjkas
Querido poeta, não pude vir ontem
ResponderEliminardeixo hoje as minhas felicitações à você pelo dia da poesia, aos que mantêm ao nosso alcance a poesia que lhes habita, toda homenagem.
Beijos, Jorge!
as imagens dizem do poema e a poesia retrata as fotos de maneira 'escandalosa' e humana
ResponderEliminardavid bowie é um artista talentosíssimo
parabéns e salve, Jorge!
beijo, moço
Jorgíssimo
ResponderEliminarDespidos de verde
bocas ávidas de pães
barcos apodrecendo
girassóis sangrando
E as minhas libélulas, as rosas, as joaninhas, os sabiás e os pinguins?.....E assim caminha a humanidade entre ferros retorcidos.
Sem palavras por mais esta magistral poesia que li e reli.
Deve ser fascinante passear pelo Rio Tâmisa, linda foto.
Beijos.
. E também fas
Jorge, seu blog é de um bom gosto especial!
ResponderEliminarPorta, por tão! Ufa, que imagens, Jorge, que poema!
ResponderEliminarParte das dores do mundo aqui estão, escancaradas aos olhos - triste espetáculo, tristeza minha, vergonha alheia.
Pequenas frestas de saídas são nossos alentos, brilhos do teu lume ascendente.
Porta, parte, pequenas frestas - vasados nos iluminamos. Obrigada, sempre!
imagens fortes... o homem mudo, castrado pela maquinaria dos seus dias, o homem seco, cético surdo, banhado pelo gozo oleoso dos motores que (re)movem o mundo...
ResponderEliminarpoema imenso, Jorge!
(aliás, já não era hora de um livro?)
estava com uma saudade sem tamanho de parar aqui sem pressa e sorver, verso a verso, tua poesia.
beijinho, amigo mais querido!