Não se deve sonhar: o momento de consciência que acompanha o
acordar é o sofrimento mais intenso. Mas não nos acontece muitas vezes, e os
sonhos não duram muito tempo: mais não somos do que animais cansados.
Primo Levi, Se isto é um homem
fotografia de jorge pimenta
são, sim,
como recortes de jornal,
notícias que
fabricámos com o interior das mãos
porque só os
homens sabem onde se esconde a mentira,
lâmpada de
veludo a cegar retinas
e toda a
vida que guardam em pele húmida
do lado de dentro
da nuvem
do lado de
fora da chuva.
são, sim,
polaroids sépia,
voz em boca
fria à procura do poema
como se a
palavra amaciasse os lábios
no leito
infinito de deus;
mas é apenas
pó de sílabas a bater num espaço
que não é de
ninguém.
e por entre
pedaços e tons
rugem probabilidades
e efeitos
sem
pontuação.
“nada é
definitivo” – repetíamos
fingindo o
verão da pele
e os frutos
a amadurecer fora da estação,
mas o escoar
das raízes
atravessou o
ponto negro em fundo azul
engasgado de
vida
(os sonhos
são como cometas:
cheiram ao
fundo do corpo
onde em
tempos se reconheceu asas e colinas de fogo
para logo se
despedaçarem no chão
a que a
morte deu o nome de amor).
há sempre os
que vivem – dizes com pássaros caídos na voz
há sempre os
que resistem – os pássaros já não têm sombra
há sempre os
que voltam – o que são os pássaros?
nenhuma asa
se confunde com o céu
neste fim de
página a deslizar pelas letras
escritas em
cinza com as pontas dos dedos:
também o
tempo acaba por adormecer.
pearl jam, just breathe