Decorreu ontem, na Casa-Museu Nogueira da Silva, em Braga, o lançamento do aguardado livro de poesia do poeta galego Francisco Mariño, pela mão da Editora Calidum.
Natural de A Corunha, Mariño é professor de Literatura Alemã na Universidade de Valladolid, mantendo uma produção na área a vários títulos notável. Adiadas Dunas é, todavia, a sua primeira incursão no domínio da produção poética.
Coube ao Mestre e amigo Henrique Barroso e a mim próprio a responsabilidade de, primeiro, e a duas mãos, escrever o prefácio para, ontem, apresentar a obra na cerimónia de lançamento.
Em Adiadas Dunas emergem um conjunto de seis partes, cada uma delas exercício de revisitação de lugares de primordialidade pessoal:
1. O lugar do reencontro com um tempo e um espaço que querem saltar as areias da ampulheta para se inscreverem, eles mesmos, no tempo e no espaço. Somos, assim, convidados a percorrer as galerias “do tempo esmorecido”, um lugar líquido, instável e refractário, onde as chuvas e as águas do mar escorrem de um passado suspenso na distância da irreversível memória – Chuvias Idas, Mares que Fuxem.
2. O lugar onde as águas do mar contornam os areais instáveis da alma, à esquina da razão, perdendo o sal na memória de um “tu” plural – Areal.
3. O lugar onde a noite, com braços frios e dedos longos, acolhe o coração no fogo-fátuo do desamparo – Noitebra.
4. O lugar da recuperação de um tempo de ausência e abandono emocionais que a memória persiste em não conjurar; é aí que as folhas outrora viçosas acabam por mirrar, definhar e adormecer, embaladas pelas mãos de Morfeu – De Wiemar.
5. O lugar do aceno demorado aos rostos que os anjos brancos ceifam e distendem num jardim onde o sol queima a saudade e a chuva rega as flores. É o tempo da homenagem àqueles que partem, mas, porque permanecem vivos na memória, jamais o fazem para longe – Arborado.
6. O lugar onde o eu poético procura libertar-se do lastro da memória e, com um brilho agitado no mar dos olhos, olha o presente e o futuro. O que não espera é que, num movimento cínico de Chronos, a linha do tempo se (con)funda, unindo, num suspiro, as mãos e o mapa sem geografia, onde tudo é apenas recordação… leve e frágil reminiscência – Envío.
Em síntese, Adiadas Dunas oferece-nos a demanda por um sentido inteiro do mundo desfraldado nas crinas das palavras, onde significante e referente, porque agarrados a um lastro comum – as emoções – possam convergir no seu sentido mais perfeito.
Restos
Quedamos nós
como sen luz e transgredidos
cheos de ollos e de voces
que xorden como maxias imposibles,
como o sangue coagulado
que se amorea, e espertamos
sen saber que fluíra algunha vez.
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Unha palabra cínxenos á vida
e con nós busca o silencio.
[Francisco Mariño]