quarta-feira, 29 de junho de 2011

etiquetas XIV



I. rejaneando       
[dedicado à rejane martins – rejaneando.blogspot.com]

a tua voz pontua o milagre
abrindo em sopro descontínuo
todos os silêncios
com que defines a melodia dos homens.
na plateia
condecoras a vida
com o manto da nudez
resistente ao tempo que nos percorre pelo lado de dentro.

Só tu sabes que
todos os deuses exercem a autoridade fora da terra.



garrafa [marcantónio]

II. neoprometeu
[dedicado ao marcantónio – diarioextrovertido.blogspot.com
publicado em tremdalira.blogspot.com, da cris de sousa, a 22/06]

tens as veias a incandescer nas quatro estações do homem:
toda a garganta se serve com espinhos
mas a tua guarda o travo do mel
algures entre a saliva e o sangue
como se todas as coisas ditas [todas]
sintetizassem a voz dos que perderam o tom.

aprendi que nenhuma palavra tua muda
e até a gramática é candeia acesa ao meio-dia.
afinal, a tua boca, por cima de nós, estremece ao ritmo do fogo.



guimarães

III. constelação de carne nua

todos os versos anunciam a paz
mas declaram guerra:
ter e perder
poder e falhar
desejar e morrer.
ah, os dentes são sempre de leite
na boca do poema...



zambujeira do mar

IV. poesis

marinheiros agitados em oceanos
sem sono
sem medo
sem nome.

a geografia da escrita?
apenas contingência menor.

radiohead, knives out

quarta-feira, 22 de junho de 2011

luzes e sombras, de alvaro gutierrez

do lado de lá

minhas palavras seguem confusas
como aglomeradas pessoas.
dê-me suas mãos e mostre a sua imensidão,
e tu me farás saber como entrar neste arrebento.
suas palavras trovejam;
veja o quanto fui influenciada
pelas suas ancas tortas.
depois eu penso, eu penso!
vê o que podemos escrever.
das suas mãos jorra o vermelho,
[não sei qual a composição certa],
esperei-te, amor,
e nessa espera, tremi.
as notas da canção,
só miram palavras, palavrinhas e palavrões
nestes lábios que não provará jamais,
seu desejo é loucura,
meu é procura.
percorri por suas palavras
– não ousei olhar este lugar,
não te reconheci,
não soube reparar-te, amor,
por não te conhecer.
pedi muito
[hoje sei
o quanto que te pedia]
mas suas arrogâncias me feriram,
tornaram-se chagas
as feridas abriram-se
me senti assim longe de mim,
do mar,
das palavras que naufragam.
ouves minhas lágrimas?
ouves minha voz
a voz contida nas palavras?
dê me suas mãos, querido,
e faz-me saber de perto teu suor.
ah, estou falando parvoíces...
como posso não te ver e sonhar?
como posso não te ter e sentir?
[ela ralhou e junto o tremor...]


e do lado de cá

escuto-te com pó nos tímpanos,
amor.
procuro ler-te os lábios,
mas as palavras têm visco
que acena, sorri, adeja o rosto e avança
contra a corrente escorregadia
dos nossos rios lisos.
e as noites são individuais
como as aves necrófagas
que desenham as suas vítimas
no círculo do olhar,
e o caminhar é apenas intenção
a uma perna só
entre movimentos cambaleantes
e sprints olímpicos
de tocha-por-arder
[prometem-me a respiração dos deuses
mas apenas me sobra o contágio do corpo]
sabes,
todos os amantes apertam o ar
mas acabam nos baixios dos braços
e na semi-fulgência das palavras.
como tu,
sinto a parvoíce a lavar-me a boca,
enquanto aguardo decisões explosivas
[o que a boca não sabe é que a pólvora
me secou nas mãos]
e palavras de linho branco
[como esconder o ópio dos lábios
se os dentes apodrecem
na prisão do corpo?]
como tu, sou parvoíce.
nenhuma promessa
pode servir-se em bandeja de ouro
como um anúncio de tv
na procissão lenta das horas
[ele desligou-se e o eucalipto da voz conseguiu adormecer].

michelle cristal & jorge pimenta


madredeus, haja o que houver

sexta-feira, 17 de junho de 2011

timidamente como quem espreita

fortaleza de sagres, igreja de nossa senhora da graça


e depois
os fusíveis estouram
e pernoito na tela
de um clássico a preto e branco

e depois
os amantes suicidam-se
e adormeço na língua de água
que não é rio e jamais será mar

e depois
todo o corpo se ateia fogo
e morro lentamente
no vapor de estrelas pressentidas

tudo
porque aprendi que a semente germina
para morrer duas vezes:
antes e depois do fruto.
e todos somos o livro escrito com gás,
o livro que volatilizou a história
com a palidez sombria das palavras.

interpol, not even jail

sábado, 4 de junho de 2011

disparos de palavras secas sobre a pólvora vulcânica da boca

kristin linder

maltratámos as palavras com rugas
embrulhadas nas raízes
das nossas bocas
e o verso foi cedendo ao metal líquido da forja
entre o ventre do vulcão e o fogo.

nem os pardais de beira-costa
escaparam à sua pólvora:
afogaram o mar
esqueceram o olhar
e depuseram as asas aos pés de um sono antigo
como se a morte fosse a resposta
para todas as perguntas que não soubemos formular.

estremece-nos nos pés o rugido da lava
na composição do poema-mar.
ah, ao lixo com as palavras mal-ditas
que as asas dos pássaros acordaram
[os olhos querem-se cegos na liberdade do voo]
e a morte é o orgasmo da alma
na nova alvorada dos sentidos.

finas, metálicas, insidiosas:
para que servem as palavras
se há tão pouco a dizer?


por outros encantos & jorge pimenta

björk & thom yorke, i’ve seen it all